No dia 01/03/2023, foi publicado o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do ARE 1387761, em que restou decidido que a União não pode exigir o Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital decorrente da valorização de bens transmitidos por herança ou doação. O fundamento foi de que a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e do IR caracterizaria dupla tributação, uma vez que os Estados e a União estariam tributando o valor dos bens de herança ou doação, propriamente dito, bem como o ganho de capital advindo da valorização de tais bens, respectivamente.
A União sustenta que a exigência de IR não caracteriza uma tributação dupla, haja vista que o fato gerador da obrigação não consiste na transmissão dos bens objeto da herança ou da doação. Sustenta, ainda, que a cobrança diz respeito tão somente ao ganho de capital decorrente da valorização que, na realidade fática, já havia ocorrido anteriormente, mas que é devidamente apurada e passa a ser devida no momento da transferência dos bens.
No acórdão do ARE 1387761, o ministro relator, Roberto Barroso, entende que não se deve admitir a incidência do IR nos moldes defendidos pela Fazenda, em que restaria configurada a bitributação. Na ocasião, o ministro fez alusão à repartição de competência tributária, inerente ao federalismo. Para o magistrado “o desenho constitucional encerra um modelo que visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos por um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou por entes diversos (vedação à bitributação)”.
A ministra Carmen Lúcia divergiu do entendimento majoritário, proferido pelo ministro relator, e apresentou voto favorável à União. Segundo a ministra, não há uma inovação sobre o fato gerador do IR, nem determinação de incidência deste tributo sobre a doação ou a herança. “Trata-se, apenas, da definição do momento para a apuração do ganho de capital tributável.” A magistrada afirma que, diante disso, não há bitributação ou invasão de competência dos Estados para tributar a transmissão causa mortis ou a doação de bens e direitos. Contudo, este entendimento da ministra não veio a prevalecer.
A questão também foi discutida no RE 943075, em que o ministro relator, Nunes Marques, reproduziu trecho da decisão do Colegiado de origem que reconhece a impossibilidade da incidência concomitante do ITCMD e do IR. No entanto, não procedeu ao julgamento de mérito, sob fundamento de que eventual discussão sobre a ocorrência de bitributação exige a reinterpretação de norma infraconstitucional, vedada em recurso extraordinário.
Nosso sócio, Onofre Batista, comenta que “a bitributação é resultado de um conflito de competência tributária entre dois entes. Esse fenômeno representa uma afronta direta ao texto constitucional, ao passo que o artigo 154, I da Carta estabelece que a competência da União para instituir impostos deve observar o requisito da não cumulatividade, bem como os impostos que disponham de fato gerador ou base de cálculo próprios dos demais tributos discriminados no próprio texto constitucional. A exigência do IR sobre ganho de capital proveniente da valorização de bens transmitidos por herança ou doação representa uma evidente inconstitucionalidade pois viola a repartição da competência tributária e, consequentemente, o princípio do pacto federativo, além de representar uma sobrecarga tributária aos contribuintes.”
Escritório Aliado: Coimbra, Chaves & Batista Advogados