No dia 17/03/2023, o STF (Supremo Tribunal Federal), por maioria de votos, declarou inconstitucional o §17º do art. 74 da Lei 9.430/1996, que estabelece a multa “automática” de 50% pela não homologação do pleito de compensação tributária. O tema foi apreciado no âmbito da ADI 4905 e do RE 796939, relatadas pelos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, respectivamente. Em sua minuta de voto, o ministro Gilmar Mendes manifestou o entendimento de que a multa ofende ao direito de petição e ao princípio da proporcionalidade. Nesse particular, para demonstrar a importância do referido princípio e a necessidade de sua observância pelos legisladores e aplicadores da lei, destaca trechos da obra Direito Tributário Sancionador, de nosso sócio fundador, Paulo Coimbra.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria), autora da ADI 4905, aponta que a multa se aplica aos contribuintes pela simples não homologação do pedido de compensação. Assim, a multa configura uma punição ao simples exercício do direito de petição, independente de dolo ou fraude, o que não é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a CNI argumenta que a multa isolada de 50% desestimula os contribuintes a exercerem o direito de peticionar aos poderes públicos e de recuperar valores recolhidos indevidamente. Tal efeito configura, portanto, violação ao direito fundamental de petição, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da CR/88. O dispositivo estabelece que é reservado a todos o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, independente do pagamento de taxas. Por outro lado, alegou a União, que não haveria violação ao direito fundamental de petição, tendo em vista que este se concretiza quando do pedido de compensação, momento anterior à aplicação da multa.
Na ADI 4905, o ministro relator, Gilmar Mendes, considerou que a aplicação da multa isolada em razão da não homologação de declaração de compensação, sem que seja caracterizada a má-fé, falsidade, dolo ou fraude, fere o direito fundamental de petição e o princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, o ministro declarou a inconstitucionalidade do § 17 do art. 74 da Lei 9.430/96 e, por arrastamento, o inciso I do §1º do art. 74 da Instrução Normativa RFB 2.055/2021.
Em relação à proporcionalidade, o ministro relator afirma que “há um arsenal de multas à disposição da Receita Federal do Brasil para sancionar condutas indevidas do sujeito passivo atinentes à declaração de compensação tais como, as previstas para o caso de falsidade, sonegação, fraude ou conluio.” Assim, a norma não atende ao teste da necessidade, subprincípio da proporcionalidade, por existirem outros mecanismos menos gravosos ao contribuinte. O ministro destaca, ainda, que a norma também não atende ao subprincípio da adequação, visto que não coíbe “fraudes, falsidades ou abuso de direito, uma vez que tais condutas não fazem parte do antecedente da norma sancionatória”.
No RE 796939, leading case do tema de repercussão geral nº 736, o ministro Edson Fachin, por sua vez, propôs a fixação da seguinte tese: “é inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”. Para o magistrado, não existe correlação entre a multa tributária e o pedido administrativo de compensação tributária, já que este é um legítimo exercício do direito de petição do contribuinte.
Sobre o tema, Paulo Coimbra recorda que “o fisco transfere o ônus da adequada apuração tributária para os contribuintes. Como a eles cabe o dever de apurar e lançar o tributo de forma autônoma, entendemos que os contribuintes também devem ter autonomia para buscar a recuperação dos valores recolhidos indevidamente de maneira espontânea. Nesse sentido, correto o entendimento do STF, visto que o pedido administrativo para compensação dos créditos deve ser entendido como exercício de boa-fé de um direito. A autocompensação é uma necessária contraface ao autolançamento”.
Ele complementa destacando que “a não homologação de uma compensação enseja na aplicação dos consectários legais, inclusive da multa de mora. Assim, a aplicação da multa automática de 50% resulta em incidência de múltiplas penalidades. Essa multa, de fato, tinha o propósito de intimidar o contribuinte, forçando-o a deixar de exercer seu direito de compensar e de exercer seu direito de petição assegurado constitucionalmente. A dupla incidência em casos de compensações não homologadas representa sanção política para coagir o contribuinte. Nesse contexto, se o exercício do direito à autocompensação, materializado mediante direito de petição, não pode genericamente ensejar a aplicação de pena de 50%, com muito mais razão se revela despropositada a aplicação, também genérica e apriorística, da multa de 150%. Falsidade, dolo, simulação, e outras condutas reprováveis, que são necessariamente pressupostas à imposição de penalidades (especialmente as mais gravosas), jamais podem ser presumidas! Há de se separar o joio do trigo!”
A questão da multa de 50% foi abordada no abordado no artigo “O Dever de Colaboração do Contribuinte e os Direitos de Petição e à Autocomposição”, de Paulo Coimbra, publicado no livro “Direitos Fundamentais dos Contribuintes: homenagem ao jurista Gilmar Ferreira Mendes”. O artigo está disponível em nosso site.
O Coimbra, Chaves & Batista Advogados encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria quanto ao tema.
Escritório Aliado: Coimbra, Chaves e Batista Advogados