Por Kátia Goretti Dias Vazzoller
Desde maio do ano passado estavam afetados pelo Superior Tribunal de Justiça os processos que versam sobre a possibilidade de: (i) cumulação de indenização por lucros cessantes com a cláusula penal nos casos de atraso na entrega de imóvel em construção e (ii) em caso de inadimplência, a possibilidade de inversão em desfavor da construtora da cláusula penal estipulada exclusivamente ao adquirente do imóvel.
As discussões se referem aos temas repetitivos no 970 e no 971, respectivamente. Ambos os temas buscam uniformizar as condenações impostas às construtoras quando ultrapassam o prazo para entrega das obras, conforme previsto em contrato.
Vale lembrar que, por conta da afetação, o Superior Tribunal de Justiça havia recomendado a suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos que tratam dos referidos temas, a fim de se promover maior segurança jurídica para os negócios imobiliários. De acordo com informações extraídas através do Banco Nacional de Dados de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios do Conselho Nacional de Justiça, aproximadamente 178 mil processos estavam aguardando fixação dos referidos temas.
Em 08 de maio de 2019, os Ministros integrantes da 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça definiram as diretrizes a serem observadas sobre os assuntos, através do julgamento dos Recursos Especiais no 1.631.485/DF, 1.614.721/DF, 1.498.484/DF e 1.635.428/SC.
Com relação ao Tema 970 (REsp 1.631.485/DF e REsp 1.614.721/DF), prevaleceu o entendimento de que não há possibilidade de cumulação da cláusula penal moratória com indenização por lucros cessantes em caso de inadimplemento do vendedor (atraso na entrega de imóvel em construção), conforme estabelecido no voto do Relator, Ministro Luis Felipe Salomão.
Segundo o Ministro, “a cláusula penal constitui pacto secundário acessório, e o estabelecimento do contrato da pré-fixação da multa atende aos interesses das partes, garantindo a segurança jurídica. Já a cláusula moratória tem natureza eminentemente reparatória, e o próprio Código Civil prevê limite para a cláusula não levar ao enriquecimento ilícito”.
Os Ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Cueva, Marco Bellizze e Moura Ribeiro seguiram o entendimento do relator, formando a maioria.
A divergência quanto ao tema da cumulação foi inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi, que defendeu que o entendimento do STJ estaria consolidado em sentido contrário. O Ministro Marco Buzzi seguiu a divergência da ministra Nancy.
Ao final, a tese fixada foi:
A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento
tardio da obrigação e, em regra, estabelecido em valor equivalente ao locativo, afasta sua cumulação com lucros cessantes.
Na sequência, o colegiado analisou a questão da inversão, em desfavor da construtora, da cláusula penal estipulada exclusivamente para o consumidor (Tema 971 – REsp. no 1.498.484/DF e REsp no 1.635.428/SC). A segunda Seção entendeu por manter a jurisprudência já fixada pelo Tribunal, permitindo a inversão de cláusula penal moratória.
Nesse caso, o relator, Ministro Salomão, explicou que entende ser abusiva a prática de estipular penalidade exclusivamente ao consumidor para a hipótese de mora ou inadimplemento total da obrigação, isentando o fornecedor da mesma penalidade.
Nesse tema, tiveram voto vencido os Ministros Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, que argumentaram no sentido de que o atraso não traria qualquer benefício às construtoras, visto que na maioria das vezes os atrasos ocorrem por fatores incontroláveis. Permitir a inversão da cláusula penal seria criar uma nova penalidade não acordada entre as partes.
Segundo os ministros que apontaram a divergência, o meio adequado para solucionar a controvérsia seria tornar nula a cláusula penal, em vista de seu caráter abusivo.
Ao final do julgamento, a fixação de tese foi adiada para acolher sugestões dos ministros e somente foi definida na sessão do dia 22 de maio de 2019, qual seja:
No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.
Analisando as teses fixadas para os temas 970 e 971, percebe-se que o Judiciário está atento ao aumento dos litígios relacionados com o atraso na entrega do imóvel pela construtora e, na medida do possível, busca proferir decisões que visam a estabelecer o sentido de “Justiça” na essência de seu significado, com o intuito promover segurança jurídica para as transações envolvendo negócios imobiliários.
Assim, tendo em vista a tese fixada quanto ao tema 970, as construtoras não poderão ignorar a cláusula penal moratória convencionada, pois será possível sua inversão em favor do promitente comprador do imóvel. Entretanto, não haverá a cumulação da cláusula penal com lucros cessantes (Tema 971), visto que a referida cláusula, por si só, visa a indenizar a parte prejudicada na relação contratual.