É fato que o tópico Zona Franca de Manaus inspira, mais do que debates técnicos, até mesmo acaloradas discussões quanto à real efetividade do modelo e a extensão dos incentivos fiscais aplicados na região como constitutivos do modelo. Nisso, até aspectos ideológicos entram e influenciam nos “prós” e “contras” dos que opinam acerca da ZFM. Nenhuma novidade até aqui.
Porém, a partir do momento em que grandes veículos da mídia nacional começam a dizer que recente decisão do STF “amplia” os subsídios, necessário reconhecer que é hora de voltar a discutir o básico.
O primeiro, é claro, o óbvio: não há ampliação dos incentivos ou mesmo criação de novos por uma “militância judicial”.
No momento em que se fixa a tese, pelo Supremo, de que “há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção”, apenas há um reconhecimento de algo que, na prática, há muito existia e já se realizava – caso contrário, evidentemente, não teria sido matéria levada a julgamento. Trata-se, em verdade, de questão já há muito posta em prática e objeto de discussões entre Autoridades Fiscais e contribuintes, oriunda, como em inúmeras outras situações (para não dizer todas nas quais os interesses desses dois polos entram em rota de colisão), de uma diferença interpretativa, a um lado conduzida de forma a beneficiar o Fisco, a outro lado para benefício dos contribuintes. O embate, necessariamente, é entre as duas posições.
Nesse caso, o argumento pró-contribuinte saiu vitorioso a partir da tese fixada alinhada, exatamente, à interpretação conjunta do art. 43, § 2º, III, da CF/88 com o art. 40 do ADCT.
Inovação, portanto, não é a palavra certa a se usar nesse caso
Numa segunda ponderação, e essa já mais focada no aspecto prático, há de se convir que os sucessivos ataques ao modelo ZFM, muito mais motivados por questões geopolíticas internas do País do que pelo puro interesse no desenvolvimento econômico regional e nacional, tornam fácil permanecer na posição hostil ao modelo. Difícil é enxergar suas virtudes e reconhecer os valores gerados por décadas de sua aplicação a uma região do Brasil que, até não pouco tempo atrás, praticamente inexistia no mapa e dependia quase integralmente de repasses do governo federal.
Recente estudo da FGV, ostensivamente divulgado inclusive como forma de
“reeducação” do País acerca da verdade sobre o modelo ZFM, deixa esses pontos claros. Sumariza-se, naquele levantamento, que os incentivos fiscais federais aplicados no regime ZFM respondem por apenas 8,5% de total dos gastos tributários do país, os quais, até surpreendentemente, são prioritariamente aplicados à região Sudeste. E mesmo assim os frutos são prova da trajetória exitosa (embora, evidentemente, imperfeita, com muitos pontos a melhorar) do modelo: crescimento do PIB regional, aumento substancial da renda per capita, aumento do valor agregado da indústria de transformação, acentuado aumento da média de anos de escolaridade dos trabalhadores, melhorias do IDEB, crescimento de capital humano, redução substancial do Coeficiente de Gini, dentre vários outros pontos.
Todo esse quadro reflete não as consequências de “ilegais” ou “indevidos” incentivos fiscais, já que todos devidamente consignados em leis e na Constituição; muito menos se está diante de uma ampliação “judicial” do modelo, pois se assim fosse não seriam visualizados os referidos índices na escala posta – seriam, em verdade, bem mais acentuados se postos lado a lado com a evolução jurisprudencial sobre a ZFM, permitindo verificar necessariamente uma relação causa e efeito.
Em específico à questão dos créditos de IPI, mais do que claro que não é uma invenção jurisprudencial. Se o debate existiu, nasceu a partir de interpretação de normas tributárias – uma interpretação conflituosa perante as Autoridades Fiscais, diga-se de passagem. Mas em momento algum pode-se defender um alargamento indevido de incentivos fiscais pautado por “militância” judicial.
No mais, persiste a lição de que há muito ainda a se discutir sobre o modelo ZFM, seja em sede se suas virtudes, seja em sede de seus defeitos. Se a trajetória exitosa indica o sucesso do modelo até então, muito mais relevante o debate construtivo sobre seu aperfeiçoamento visando alçar voos ainda mais altos do que a picuinha egoísta e ideológica que se põe por um espírito revanchista que se traveste do posicionamento liberal (e o distorce porquanto almeja um protecionismo interno em vantagem de outras regiões) – até porque os ganhos da ZFM são, numa última análise, vitórias compartilhadas em alguma escala por todo o País.
E é, exatamente, com esse pensamento que se deve entrar até mesmo, muito em breve, nas discussões de uma Reforma Tributária, da qual pode emergir uma “ZFM 2.0”, com muito mais capacidade de trazer ganhos para todo o Brasil.
Por Victor Bastos da Costa
Fonte: Andrade GC Advogados