- Pelo menos 70 pontos da reforma foram relegados à lei complementar, e não são poucos os temas que merecem atenção especial;
- Maior parte do contencioso tributário se resolverá caso se cumpra a promessa de termos um regime de não cumulatividade efetiva.
A reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023 representa um marco aguardado há décadas para simplificar o sistema tributário do Brasil. Os principais pontos da reforma são conhecidos: a introdução de novos tributos (IBS e CBS), que substituirão os atuais; a adoção de um regime não cumulativo; a implementação de regras uniformes em todo o País, com exceções pontuais; a ampla base de incidência; e um imposto sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (IS).
O que ainda falta desenhar são os detalhes e a forma de funcionamento desses novos tributos, que virão descritos em leis complementares a serem editadas pelo Congresso até 2026. Pelo menos 70 pontos da reforma foram relegados à lei complementar e variam desde a definição da base de cálculo dos novos tributos até temas como cashback e desoneração do Capex (despesas de capital, na tradução da sigla para o português).
Antes do envio dos projetos de lei para a Câmara, os anteprojetos serão discutidos no Ministério da Fazenda, que criou 19 grupos de trabalho (GTs) para análise desses temas — e aqui o governo começou mal. Apesar do discurso de simplificação e redução do contencioso tributário, os grupos não preveem participação dos principais interessados: os contribuintes.
A composição de cada GT conta apenas com representantes do Fisco federal, estadual e municipal. Aí já se percebe o risco de uma legislação futura que atenderá apenas a interesses fazendários, pois será gestada por técnicos com visão enviesada, e que excluirá as sugestões de contribuintes com potencial de aprimorar as normas, impedindo interpretações divergentes que, fatalmente, levarão a novos contenciosos fiscais.
O cronograma também é motivo de alerta. O governo afirma pretender aprovar as leis da reforma antes das eleições municipais deste ano. Considerando que os projetos de lei devem ser apresentados em abril, isso daria pouco menos de três meses para o trâmite legislativo. Essa urgência é descabida e prejudica o necessário debate democrático. Ora, se a reforma só passa a valer em 2026, não há justificativa para o açodamento na aprovação ainda em 2024.
As leis complementares serão essenciais para a concretização dos objetivos de simplificação e transparência almejados com a reforma. E, em um contexto no qual o Estado busca arrecadar mais e mais, não é desprezível o risco de que “surpresas legislativas” venham a onerar ainda mais os contribuintes brasileiros.
Não são poucos os temas da reforma que merecem atenção especial. A maior parte do contencioso tributário hoje corresponde a discussões sobre direito a créditos tributários. Isso se resolverá caso se cumpra a promessa de termos um regime de não cumulatividade efetiva, sem que as novas leis deixem margem para o questionamento do direito dos contribuintes aos créditos tributários.
Setores cujas tributações serão definidas pelos regimes específicos devem ficar especialmente atentos à regulamentação, sob pena de se surpreenderem ao final do processo legislativo com regras ainda mais duras que as atuais.
Será, portanto, fundamental um acompanhamento constante dos projetos de lei e uma postura proativa por parte dos empresários e representantes do setor privado.
Escritório Aliado: Bichara Advogados para Esfera Brasil.