O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de Embargos de Divergência, que o contribuinte tem direito a compensar tributo pago antes da impetração do mandado de segurança que reconheceu o seu direito à compensação, desde que ainda não esteja prescrito. A decisão que admite a compensação foi tomada de forma unânime pela 1ª Seção do STJ, a qual reúne as turmas de Direito Público do Tribunal. Até então, a posição das duas Turmas que compõem a 1ª Seção destoava quanto à possibilidade de compensação de indébito anterior à impetração do MS.
A controvérsia foi enfrentada por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.770.495/RS, interpostos contra acórdão da 2ª Turma do STJ. A decisão embargada negara o pleito de uma empresa ao direito de compensar o ICMS pago de forma indevida nos cinco anos anteriores, permitindo a compensação apenas dos valores recolhidos em data posterior à impetração do MS. O questionamento sobre quais parcelas seriam objeto de compensação surgiu quando o Tribunal de origem do processo determinou a exclusão de valores referentes a mercadorias dadas em bonificação da base de cálculo de ICMS, concedendo à decisão, contudo apenas efeitos ex nunc, entendimento reafirmado pela 2ª Turma do STJ.
Para a 1ª Seção do STJ, contudo, prevaleceu entendimento diverso, na decisão unanimemente proferida pelos 10 ministros deste órgão, que se baseou em precedente da 1º Turma. O colegiado remeteu, primeiramente, à Súmula 213 do STJ, que elege a via mandamental como a adequada para a declaração do direito à compensação tributária. Segundo o entendimento adotado pela Corte, o provimento alcançado em mandado de segurança nos termos da Súmula 213 tem efeitos apenas prospectivos. Isso pois, conforme o artigo 170-A do CTN, estes efeitos somente poderão ser sentidos após o trânsito em julgado da decisão.
Assim, no entendimento dos julgadores, reconhecer que o contribuinte tem direito à compensação tributária também dos valores recolhidos antes da impetração do mandado de segurança que permitiu a compensação não significa emprestar efeitos patrimoniais pretéritos a esta ação, o que violaria frontalmente a Súmula 217 do Supremo Tribunal Federal. Conforme elucidam os ministros, o momento em que a Fazenda Pública é efetivamente condenada à devolução de determinado valor é o da quantificação dos créditos a compensar, o que só ocorre posteriormente. Assim, só se verificam os efeitos patrimoniais no momento do posterior exercício, na esfera administrativa, do direito à compensação judicialmente reconhecido.
A 1ª Seção do STJ também reconheceu, como consequência da posição esposada acima, que a impetração do mandado de segurança interrompe a contagem do prazo para o exercício do direito à compensação declarado, assim como já ocorria para ações de repetição de indébito. Com isso, ao exercer seu direito na esfera administrativa, o contribuinte fará jus à quantia relativa a indébitos tributários dos cinco anos anteriores à data da impetração do mandado de segurança. Cabe a ressalva de que, logicamente, os valores já fulminados pela prescrição quinquenal à data da propositura da ação não poderão ser objeto de compensação.
Comentando a decisão, Alice de Abreu Lima Jorge, sócia do CCBA, afirma: “A qualidade técnica dos argumentos apresentados pelo julgador não deixa dúvidas de que o entendimento adotado foi correto. O Ministro Gurgel de Faria, relator do acórdão, traçou fundamental diferenciação entre o reconhecimento de um direito do contribuinte no plano jurídico e sua repercussão, no plano fático, em efeitos patrimoniais concretos. É crucial que o operador do direito não se olvide de que nem toda decisão judicial produz efeitos instantâneos na realidade prática”.
Mais especificamente sobre o mandado de segurança, nossa sócia relembra ainda que “este instituto, previsto nos incisos LXIX e LXX do artigo 5º da Constituição, visa proteger direito líquido e certo contra abusos de autoridade pública. No campo tributário, é o remédio constitucional através do qual o contribuinte pode provar ao Judiciário, no rito sumaríssimo descrito pela Lei nº 12.016/2009, que a autoridade apontada como coatora agir ilegalmente ou com abuso de poder, violando direitos dos contribuintes. Logicamente, esta ação não é o suficiente, per se, para o ressarcimento do contribuinte pela cobrança indevida: a efetiva reparação patrimonial, ainda que amparada pela decisão favorável no mandado de segurança, só poderá ocorrer pela via administrativa”.
Por fim, ao analisar como se harmonizam os dispositivos normativos e entendimentos jurisprudenciais citados pelas partes, Alice conclui que a decisão preza pela necessária coerência do ordenamento jurídico. “Em um Estado Democrático de Direito, toda ação do Poder Público deve ocorrer dentro dos estritos limites da lei. Como reconhecido pela 1ª Turma do STJ no REsp n. 1.365.095, se o Judiciário declara, através de mandado de segurança, que a cobrança de um tributo não atendeu a este requisito, a exação é inválida, seja para valores recolhidos antes da propositura da ação ou após esta, por uma questão de coerência. É normal que a acusação da ilegalidade ocorra após o cometimento desta, o que não deve servir de escusa para validar arbítrios anteriores à impetração da ação”, afirma a sócia do CCBA.