A dicotomia entre o cofaturamento da tarifa de resíduos sólidos e a venda casada

Aliado: Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri

Desde a edição do Novo Marco Legal de Saneamento Básico em 2020, que estabeleceu novos prazos limite (já esgotados) para os Municípios implantarem a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos gerados em seus territórios, tem se verificado a crescente estruturação de projetos visando a prestação adequada dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos e o cumprimento de metas.

Nesse contexto, considerando o incentivo ao modelo de concessão e a obrigatoriedade de o titular de tais serviços instituir a cobrança por sua prestação, seja por meio de taxa ou de tarifa, já foi concedida, por ex., a prestação dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos pelos Consórcios Intermunicipais COMARES (CE) e CONVALE (MG), mediante a arrecadação de tarifas diretamente dos munícipes.

Essas concessões, juntamente com o modelo que foi publicado recentemente pelo Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos do Oeste Paulista – CIOP, preveem que a tarifa de resíduos sólidos será cobrada na fatura de água, cuja gestão comercial é atribuída aos prestadores dos serviços públicos de abastecimento de água. Esse mecanismo de cobrança conjunta é conhecido como cofaturamento, conforme autorizado pelo art. 35, § 1º, da Lei de Saneamento Básico (11.445/2007).

Todavia, a implementação do cofaturamento não tem sido tão simples quanto se imaginava. Primeiro, porque alguns prestadores de serviços de água se recusam a realizar o cofaturamento, sob o fundamento de que tal cobrança conjunta irá aumentar seus custos e o risco de inadimplência dos usuários, e segundo, porque ainda há o risco de o poder judiciário entender que o cofaturamento consiste em “venda casada”, cuja prática é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Alguns tribunais estaduais já manifestaram entendimento no sentido de que poderia configurar prática abusiva a cobrança da taxa de lixo nas contas de água, sem os respectivos valores individualizados e sem códigos de barras separados, sem que o consumidor conceda prévia anuência para tanto.

Por outro lado, a Norma de Referência nº 01/2021 da Agência Nacional de Águas e Saneamento – ANA reforçou a possibilidade de outros prestadores de serviços públicos realizarem o cofaturamento das tarifas de resíduos, o que pode propiciar uma boa gestão comercial e, logo, a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços, um dos pilares do Novo Marco Legal.

Diante desse cenário, pode-se considerar, como medida mitigadora de questionamentos, que o usuário consumidor tenha a oportunidade de manifestar sua opção de boleto com um único código de barras ou com dois códigos de barras diversos, um para cada serviço. Já se adotou o mecanismo, por ex., de conceder prazo para o usuário fazer expressamente sua opção e, em caso de silêncio, considerar-se aceito tacitamente o código de barras único.

É igualmente importante que sejam editadas regras claras pelas entidades reguladoras infranacionais de como deve ser a comunicação e anuência dos usuários com relação à cobrança conjunta com outro serviço público, de maneira a conferir maior segurança jurídica aos futuros contratos e àqueles que estão em andamento.

Por Camila Rodrigues

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