Por Luiz Gustavo Bichara e Bruno Matos Venturasão
É bem sabido que o custo da tributação sobre a folha de salários é um dos principais entraves para a redução da chaga do desemprego no Brasil – que hoje alcança 13,7% da população. Alguns movimentos foram feitos nos últimos anos para tentar equacionar esse problema, dentre eles um programa de parcial (ainda tímida) desoneração da folha de salários.
Assim, desde a edição da MP 540/11, a contribuição previdenciária passou a incidir, para determinados setores da economia, sobre a receita bruta – atualmente com alíquotas variando entre 2% e 4,5 % de acordo com a atividade respectiva.
Reoneração da folha de pagamentos em plena crise sanitária ocasionaria impacto inestimável para empresas
Os principais objetivos da desoneração da folha de pagamento eram (i) ampliar a competitividade das empresas brasileiras; (ii) aumentar a contratação de mão-de-obra nos setores respectivos; (iii) estimular a formalização do mercado de trabalho, e (iv) fomentar o aumento da produtividade.
Inicialmente, a desoneração tinha vigência limitada até dezembro de 2014. Com a debacle econômica instaurada nos anos seguintes, sua vigência foi sucessivamente prorrogada até 31 de dezembro de 2020.
Porém, a eventual reoneração da folha de pagamentos em plena crise sanitária ocasionaria impacto inestimável para empresas, gerando, claro, mais desemprego, razão pela qual foi editada a MP 936/2020, que adotava uma série de medidas para combater os efeitos econômicos e sociais da pandemia. Durante a votação da Lei de Conversão da referida MP, o Congresso prorrogou a desoneração até 31 de dezembro de 2021, mas o Presidente da República vetou dita extensão quando da edição da Lei Federal nº 14.020/20.
Após a derrubada do veto, a AGU ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6632, pendente de julgamento) perante o STF, sob dois principais fundamentos: (i) a prorrogação acarretaria renúncia de receita sem estimativa de impacto orçamentário financeiro e (ii) violaria o artigo 30 da EC nº 103/19, que veda a “instituição” de novas contribuições em substituição àquela incidente sobre folha de salários.
Entretanto, conforme já entendeu o ministro Ricardo Lewandowski ao proferir voto na referida ADI o “constituinte derivado foi assertivo ao usar o termo `instituídas´, o que não se aplica à espécie, uma vez que a previsão contida na Lei 14.020/2020 (…) não cria desoneração, apenas prorroga o regime vigente quando da promulgação da nova emenda à constituição”. Além disso, como observou o relator, a análise dos impactos orçamentários e financeiros foi devidamente levada em consideração pelo Congresso.
Em paralelo, o Congresso debate (no PL nº 2.541/21) a prorrogação da desoneração até 12/2026, para setores intensivos em mão de obra. A matéria já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, limitando, todavia, o regime somente até 2023.
Para equalizar a questão da renúncia de receita e cumprir as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal (principal ponto de questionamento na referida ADI), o PL eleva em um ponto percentual a alíquota do Cofins-Importação para determinados produtos, o que afasta a discussão sobre a medida furar o teto de gastos.
Além da compensação acima referida, o Parecer também menciona a intenção do Poder Legislativo de debater com o Poder Executivo “outras medidas recomendadas para boa governança de incentivos e para a prudência fiscal, poderão ser promovidas no decorrer do processo legislativo, com o oportuno diálogo com o Poder Executivo”, o que não deixa dúvidas acerca da seriedade e a clara intenção de observância do teto de gastos.
Aliás, recentemente o TCU proferiu decisão consignando pela desnecessidade de medidas de compensação, desde que a renúncia de receita tributária seja considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual, na forma do artigo 14, inciso I, da Lei Complementar 101/2000, e registrando também que não se afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Com relação ao óbice do artigo 195, parágrafo 9º da CF/88, cabe relembrar que a EC nº 103/19, excluiu, como regra geral, a possibilidade de instituição de medidas exonerativas fundamentadas na substituição da contribuição sobre folha de salários.
Por outro lado, em atenção ao princípio da segurança jurídica, estabeleceu (no artigo 30) exceção à regra geral, ao prever que a referida vedação não se aplicaria às hipóteses de substituição anteriores à EC. Em outras palavras, o mencionado artigo proíbe a instituição de novas contribuições para substituir a de folha, mas não a prorrogação da vigência de contribuições já instituídas, o que afasta o citado argumento de inconstitucionalidade – conforme já reconhecido no voto do ministro Lewandowski.
Portanto, do ponto de vista jurídico, as críticas à prorrogação da desoneração não procedem. Já sob o ponto de visto econômico e social, a desoneração da folha é uma providência indispensável para o combate ao desemprego. Não é demais lembrar que inúmeros países ofereceram medidas concretas de alívio tributário para que os contribuintes ultrapassassem a crise gerada pela pandemia. Espera-se que o Brasil não permaneça impermeável à razão.
Certamente os tecnocratas de plantão dirão que é preciso uma discussão mais ampla sobre a reforma como um todo, e que, portanto, a questão da desoneração poderia esperar. Claro que seria muito mais bonito endereçar o complexo problema da tributação de forma abrangente. Todavia, essa prorrogação deve ser feita como o sapo de Guimarães Rosa: não por boniteza, mas por precisão.
Fonte: Bichara Advogados para Valor Econômico