A pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), desafia de forma extraordinária em nível global sistemas políticos, econômicos e jurídicos na adoção de medidas na contenção da crise sanitária.
O Brasil – reconhecidamente – possui um dos mais amplos e complexos sistemas públicos de saúde do mundo, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país (arts. 196 a 200 da Constituição Federal).
Sob os princípios em que foi concebido e criado o SUS, regulado pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, está a integralidade da assistência, um dos seus fundamentos basilares, que prevê o fornecimento de medicamentos (art. 6º da Lei no 8.080/90).
Neste contexto, evidencia-se a discussão em torno da licença compulsória (quebra de patente, no jargão) regulada pelos arts. 68 a 74 da Lei nº 9.279/1996, utilizada para ampliar o acesso a fármacos, pois permite que governos possam sanar eventuais abusos pelo titular dos direitos oriundos da patente, como por exemplo: a prática de altos preços por empresa que detém o monopólio de produção.
Com a licença compulsória há permissão para que outros laboratórios, além do titular, possam produzir medicamentos. A autorização também é utilizada como mecanismo de redução dos preços, em negociações para incorporação de medicamentos ao SUS.
Em 2007, após infrutíferas negociações com o laboratório Merck, o Brasil promoveu o primeiro licenciamento compulsório – o antirretroviral Efavirenz, medicamento utilizado no tratamento do HIV/Aids. Caso o licenciamento compulsório não tivesse ocorrido a política governamental (via SUS) de combate à doença estaria em risco.
Nesta pandemia, países têm direcionando esforços para equacionar os direitos de propriedade industrial (proteção para que as empresas direcionem recursos técnicos e financeiros ao desenvolvimento de novas soluções) com a garantia de acesso e distribuição equitativa de remédios e tratamentos contra a COVID-19. Por meio do acordo internacional (TRIPS) foram possíveis algumas inovações, dentre elas a flexibilização dada pela licença compulsória de patentes, a qual ocorre mediante algumas condições:
I. negociação prévia com o titular dos direitos para permissão de uso em termos, condições e prazos razoáveis – este requisito não precisa ser atendido em casos de emergência nacional ou outra urgência, como as declaradas pelos países em decorrência da pandemia;
II. a remuneração do titular do direito, levando em consideração o valor econômico da permissão;
III. o prazo e o escopo da licença estarão limitados ao objetivo que justificou a medida, como, por exemplo, a utilização para combate da Covid-19; e
IV. o uso da licença deve atender predominantemente o mercado doméstico.
No âmbito do Poder Legislativo, Projetos de Lei visam atender às demandas decorrentes da pandemia, entre eles o Projeto de Lei no 1.462/20, em tramitação na Câmara dos Deputados, que acelera a flexibilização de patentes durante a pandemia e conta com apoio da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras. E os Projetos de Lei nº 1320/20 e 184/20, os quais propõem alterações legislativas para permitir o licenciamento compulsório, durante estado de emergência em saúde.
O debate acerca do licenciamento compulsório deve ser considerado diante da atual crise mundial. Contudo, as possíveis propostas no sentido de alterar a legislação atinente à Propriedade Industrial, devem observar a razoabilidade, atendendo às necessidades urgentes decorrentes da crise sanitária, sem prejudicar futuras medidas de incentivo à inovação.
Fonte: Lippert Advogados