Está pautado para abril o julgamento das propaladas ADC´s (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 43 e 44, de relatoria do ministro Marco Aurélio, em que se discute a (in)constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação, notadamente a partir da condenação em 2ª Instância.
Cabe lembrar que o objetivo de ambas as ações é obter o reconhecimento da constitucionalidade do artigo 283, in fine, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Não há dúvida de que tal artigo está em consonância com o artigo 5º, LVII, da Constituição, que dispõe exatamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Este dispositivo é basilar ao Estado Democrático de Direito, haja vista que consagra o princípio da presunção de inocência.
Percebe-se, portanto, que o Código de Processo Penal –além da LEP (Lei de Execução Pena)– confere concretude ao princípio da presunção de inocência, estando nos exatos termos do que dispõe a Constituição, que exclui a possibilidade de execução de pena antes do trânsito em julgado.
Não por outro motivo, a AGU (Advocacia Geral da União) apresentou parecer, em 26 de outubro de 2017, manifestando-se pela constitucionalidade e portanto impossibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade.
No mesmo sentido foram as manifestações da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), da Defensoria Pública da União, do Instituto Ibero Americano de Direito Público, da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e da ABAC (Associação Brasileira de Advogados Criminalistas).
Na ocasião, a AGU recordou que o princípio da presunção de inocência encontra-se previsto não só na Constituição brasileira, como também na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.
A presunção de inocência pressupõe, como bem consta do parecer da AGU, que a imposição de pena depende de definitividade. Isto é, de um juízo de culpabilidade definitivo, o qual só pode advir com o esgotamento de todas as vias recursais disponíveis, as quais, sem dúvida, podem alterar os limites de condenação.
Portanto, conclui o parecer, eventual cumprimento de pena antes do trânsito em julgado viola os direitos fundamentais decorrentes do devido processo legal, notadamente o da presunção de inocência.
Tal entendimento está tão consonante à Constituição, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que a execução das penas restritivas de direitos está condicionada ao trânsito em julgado, em conformidade com o artigo 147, da LEP.
Além disso, é entendimento firmado da Corte a impossibilidade de considerar maus antecedentes condenações não transitadas em julgado.
Isso não significa vedar a prisão antes do trânsito. Pelo contrário, a Constituição ampara e a lei federal dispõe sobre esta possibilidade, ao prever hipóteses de prisões cautelares, temporária ou preventiva.
Seria bastante estranho, agora, conforme veiculado pela imprensa, a AGU apresentar novo parecer desdizendo o já apresentado. Tratar-se-ia, inclusive, de medida antijurídica, eis que se trata de instituição de Estado – e não de governo – una, cuja tecnicidade não deve estar suscetível à opinião deste ou daquele presidente da República.
Por Miguel Pereira Neto
Fonte: Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados