Na última terça-feira, a União lançou o primeiro de uma série de editais de adesão para renegociar dívidas tributárias de pessoas físicas e jurídicas, com parcelamento e descontos entre 30% e 50%. O governo federal anunciou que a medida busca auxiliar devedores afetados pela pandemia da Covid-19, argumento contestado por tributaristas.
A iniciativa, na verdade, é resultado de um programa restrito, criado ainda no início de 2020, que prevê a possibilidade de negociações em litígios tributários específicos, cujo resultado é incerto para a União.
“O primeiro edital deste programa refere-se à Participação nos Lucros ou Resultados (PRL) das empresas, sobre o qual a fiscalização da Receita Federal passou a autuar fortemente, baseada em critérios não previstos em lei”, revela o tributarista Paulo Coimbra, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ele lembra que não pode incidir tributação sobre o PRL, desde que obedeça aos requisitos previstos na Lei 11.101/05. “O que tem ocorrido é que a Receita Federal começou a fiscalizar os PRLs, principalmente em bancos e indústrias, e a criar dificuldades insolúveis, por meio de critérios inexistentes, como registro em sindicatos. Isso gerou um litígio grande e muito vultoso”, adverte.
Para se ter uma ideia, as autuações sobre os PRLs das instituições bancárias, mediante o entendimento de supostas irregularidades dos auditores da Receita, envolvem cerca de R$ 7 bilhões, com boa expectativa de vitória para os bancos. “Já que a União tem chances de derrota, ela lança esses editais. Melhor garantir uma arrecadação imediata, sobretudo num momento em que a pandemia gera custos extras no orçamento”, ressalta.
A expectativa do governo neste edital, cujas inscrições se encerram em 31 de agosto, é uma adesão entre 10% e 20% dos contribuintes em disputa administrativa ou judicial, com reforço de caixa de R$ 70 milhões a R$ 130 milhões ainda em 2021.
Paulo Coimbra avalia que a iniciativa pode ser interessante, diante das reduções de até 50% no valor do tributo, pouco comum em outros regimes de recuperação fiscal, como o Refis, que apenas reduzem o valor da multa e
dos juros. “Depende do caso. Mas se há um bom prognóstico de êxito, a empresa não fará o acordo”, atesta. Para ele, a adesão dependerá da análise do setor financeiro de cada empresa. Os bancos, por exemplo, possuem mais de uma autuação na Receita, que ocorrem todos os anos sem uma base jurídica.
Insegurança – Paulo Coimbra critica as constantes autuações da Receita Federal na PLR das empresas, que geram insegurança e podem acarretar extinção de uma importante ferramenta para alinhar o capital com trabalho, criada e garantida pela Constituição.
“Se os empregados colaboram para os bons resultados das empresas, nada mais justo que participem dos lucros, da mesma forma que ocorre com os acionistas”, pondera. Para ele, a “postura arrecadadora” da Receita cria
insegurança jurídica e pode desestimular empresários em manter um instituto que, em 2019, conforme o Contraf, injetou R$ 7 bilhões na economia brasileira, somente com os valores pagos a 468 mil trabalhadores bancários.
“A PRL atende à doutrina constitucional de criar instrumentos que reduzam as desigualdades sociais, promovam a distribuição de renda e atendam aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), programa das Nações
Unidas do qual o Brasil é signatário”, destaca.
Fonte: Coimbra & Chaves para Diário do Comércio