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Considerações sobre a necessidade de formação de incidente de desconsideração da personalidade jurídica

 

Thomaz Pereira Duarte

 

Entre tantas novidades trazidas com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, em 18 de março de 2016, chama atenção a positivação, nos artigos 133 a 137 da nova legislação, a previsão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

 

A desconsideração da personalidade jurídica, tanto na forma clássica como na forma inversa, tem o intuito de trazer ao processo pessoas diversas, que não originariamente integravam os polos da relação processual, com a finalidade de atingir o patrimônio que estava protegido, dando efetividade ao feito expropriatório, utilidade ao processo e dar guarida a pretensão do credor de ver o seu crédito satisfeito.

 

Muito embora chamado de incidente pelo legislador, há necessidade de se discutir a necessidade de criação de autos apartados para que seja decidida a desconsideração da personalidade jurídica e a desconsideração inversa da personalidade jurídica que, ao fim e ao cabo, permitirão a admissão ou não de novos integrantes na relação processual originária.

 

O legislador, no ponto, foi omisso ao não referir se deveriam ser processados em autos apartados ou nos próprios autos. Em outros momentos o legislador foi expresso que o incidente seria processado em autos apartados, quando positiva o incidente de remoção de inventariante, previsto no artigo 623, parágrafo único, do Código de Processo Civil e quando prevê a instauração de incidente para apuração da responsabilidade do credor por averbação indevida, nos termos do artigo 828, §5º, do mesmo diploma legal.

Neste sentido, manifestou-se Ruy Zoch Rodrigues[1]:

“Não se trata de incidente processado em autos próprios (apartados), pois o NCPC abdicou da técnica, comum no CPC/1973, suprimindo-a em hipóteses clássicas como a do incidente de falsidade documental (art. 430), por exemplo. Em princípio, portanto, o debate dar-se-á no ventre do processo em que debatida a questão principal, mas como o objetivo é a simplificação (marca do NCPC), nada obsta que, no caso concreto, possa o juiz deliberar pela autuação apartada, se assim recomendar a organização do incidente ou se houver justificativa para que o processo prossiga no trato das questões principais, sobretudo se existirem outros pedidos, eventualmente cumulados, que não se relacionem com o tema incidental.

(…)

O legislador optou pela dispensa de ação própria para o fim da desconsideração. Assim, o NCPC, ao reservar o espaço do incidente para o trato da questão, reafirmou o caráter sumário do debate a ser estabelecido. Embora não haja restrições na Lei acerca de tipos de prova ou prazos, o fato é que não se pode imaginar a amplitude do debate peculiar ao de uma ação própria travestida em incidente, sobretudo quando proposto no curso do processo de conhecimento.

Seja como for, a melhor solução é preservar a sumariedade, limitando a atividade probatória, tal como acontece, por exemplo, na atual exceção de pré-executividade, e, se necessário, aplicando à decisão final o disposto no art. 503, § 2º, com a reserva às partes do debate plenário em ação própria posterior, inclusive de natureza indenizatória, se for o caso.

Complementa Fabrício Castagna Lunardi[2]:

“O requerimento de desconsideração da personalidade jurídica deverá conter os requisitos estabelecidos na lei material (art. 133,§4º, NCPC).

O incidente deve ser processado nos mesmos autos do processo principal. Não deve haver distribuição do incidente. É apenas uma petição que é juntada no mesmo processo. Portanto, não gera processo novo, tampouco autos apartados. Trata-se de um incidente processual, e não de um processo incidente.”

Ora, parece que pretender a criação de um expediente específico anda na contramão de outras previsões trazidas na nova codificação, quando trouxe para os próprios autos principais, matérias que antes exigiam a formação de incidentes que, além de suspender o andamento do processo principal, exigiam a formação de um instrumento próprio, com tramitação autônoma (incidente de suspeição, exceção de incompetência, incidente de impugnação ao valor da causa, etc.).

Referido posicionamento consagra os princípios da celeridade e da economia processual, visto que a autuação em apartado acarretaria maior morosidade ao feito, retardando ainda mais a satisfação dos direitos do credor; o que não se observa na desconsideração declarada nos próprios autos, desde que garantido a contraparte a ampla defesa e o contraditório.

Ora, tratando-se de matéria que, em regra, suspende o andamento da execução ou do processo de conhecimento, parece desnecessária a criação de um instrumento específico para apreciar a questão, desde que resguardados, obviamente, o contraditório e a ampla defesa das pessoas físicas ou jurídicas que se pretende trazer ao processo.

Por fim, considerando que um dos princípios basilares da nova sistemática consagrada pelo atual Código de Processo Civil é a simplificação dos procedimentos, eliminando formalidades ou atos desnecessários ou inúteis, parece forçoso concluir que a instauração de incidente apartado aos autos principais do feito executivo em nada contribuirá para celeridade processual e, ao que parece, se configura em um formalismo exacerbado que não coaduna ao espírito da legislação atualmente vigente.

[1] FERNANDES, p. 145, 2015 ou RODRIGUES, Ruy Zoch. Novo Código de Processo Civil Anotado. OAB. Porto Alegre: OAB RS, 2015, p. 145

[2] LUNARDI, Fabrício Castagna. Curso de Direito Processual Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 258-259.