Controvérsias na fiscalização ambiental federal | Bichara Advogados para JOTA

Não são poucos os casos de Autos de Infração e/ou Relatórios de Fiscalização com aspectos formais questionáveis

Por Cristina Carvalho Sumar e Thais dos Santos Monteiros

Após quase 10 anos, as normas federais relativas aos ritos e procedimentos aplicáveis aos processos sancionatórios ambientais foram atualizadas e consolidadas.

Até então, as regras que orientavam os processos infracionais no IBAMA e no ICMBio eram, respectivamente, as Instruções Normativas (IN) nº 10/2012 e nº 6/2009.

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Créditos: Hora do Povo, 2020

Em janeiro de 2020, foi publicada a IN Conjunta nº 2 extinguindo as normas anteriores e unificando a regulamentação. Pouco mais de um ano após, a IN sofreu algumas modificações, refletindo na atual IN Conjunta nº 1/2021 que, hoje, norteia o processo em ambos os órgãos.

Não diferente de outros temas pertinentes à área ambiental, a IN gerou grande repercussão na mídia e foi alvo de uma série de críticas, inclusive de servidores do próprio IBAMA.

Em abril, por exemplo, foi publicada Cartada Divisão Técnica Ambiental da Superintendência do IBAMA em Santa Catarina[1], na qual foram questionadas algumas inovações da norma, dentre elas, em especial, o que denominaram de “censor” dos Autos de Infração lavrados. Segundo os fiscais, a necessidade de aprovação prévia dos Autos de Infração por autoridade hierarquicamente superior, incluída na nova IN, é espécie de censura, já que todo ato praticado deve ser validado e/ou saneado por um servidor hierarquicamente superior.

Na mesma época, outros servidores denunciaram que a fiscalização ambiental estaria paralisada, pois a norma estaria dificultando a atuação dos órgãos e/ou beneficiando o administrado.

Na IN, está claro que suas premissas são a qualidade técnica do processo, o respeito aos direitos dos administrados e a desburocratização dos procedimentos. A partir desses princípios, a norma traz instrumentos importantes como o uso de meio eletrônicos para tramitação dos processos, a figura da conciliação ambiental, a fixação de prazos específicos para análise e deliberação e, até mesmo, a possibilidade de responsabilização funcional do servidor.

Nesse norte, a nova IN prevê que o Auto de Infração ambiental lavrado pelo fiscal será avaliado pelo superior hierárquico para fins de saneamento, podendo ou não seguir efetivamente com a sanção. Caso tenha sido verificado vício, falta de zelo e/ou negligência na ocasião da lavratura, o servidor que praticou o ato poderá ser responsabilizado.

Certamente, tal previsão gera desconforto, no entanto, entende-se que não objetiva censura ou cerceamento da discricionariedade, pelo contrário. Na prática, não são poucos os casos de Autos de Infração e/ou Relatórios de Fiscalização com aspectos formais questionáveis, seja pela ausência de motivação, pela aplicação de sanções desproporcionais ou insuficiência na indicação dos elementos probatórios da infração.

Portanto, como previsto na própria IN, o objetivo do saneamento é apontar pendências, erros, vícios ou a necessidade de complementações, o que é desejável e vai de encontro aos princípios que regem o processo administrativo, de modo a aumentar a segurança jurídica e minimizar riscos de questionamentos quanto à validade do próprio ato.

Outro aspecto objeto de crítica da IN foi o estabelecimento de prazos de análise em diversos atos processuais e a possibilidade de responsabilização dos servidores nos casos em que houver prescrição, o que impossibilita a punibilidade do autuado. A exemplo, quando solicitada a revogação ou cessação de embargo, o fiscal deverá decidir no prazo de 5 dias, sob pena da autoridade superior fazê-la. Outras, são as previsões:  de 5 a 10 dias para elaboração de relatório e 30 dias para proferir decisão de 1ª e 2ª instâncias.

Sabe-se que é grande o volume de processos e falta estrutura e pessoal nos órgãos ambientais. Em dados divulgados ainda em 2015, o Ministério de Meio Ambiente apareceu como o 11º na lista de 27 ministérios em relação ao número de servidores, com pouco mais de 7 mil[2]. No Relatório Anual de Gestão Interna do IBAMA, referente ao exercício de 2020[3], fica evidente que o número de servidores no órgão vem, inclusive, reduzindo desde então.

Portanto, evidente que não se pode ignorar essa questão estruturante, no entanto, o estabelecimento de prazos concretos pode ser encarado como instrumento para impulsionar a tramitação dos processos e, justamente, a partir disso, refletir no necessário redimensionamento dos órgãos ambientais.

Tal celeridade é recomendável na medida em que o administrado não pode ficar à mercê de prazos indiscriminados e, no mesmo sentido, o poder de polícia do Estado não deve atuar indefinidamente. Logo, estipular prazos específicos para garantir a fluidez do processo é benéfico para ambas as partes, pois, não raro, inclusive, a própria administração pública incorre em prejuízos pela demora e prescrição dos processos.

Em dados de 2019, por exemplo, a Controladoria Geral da União (CGU) identificou 96 mil processos parados no IBAMA, com multas que acumulavam cerca de R$ 1,5 bilhão[4].

Por fim, mas não menos importante, merece destaque algumas outras previsões importantes da IN como, por exemplo, a expressa caracterização subjetiva da responsabilidade administrativa, determinando-se que o relatório de fiscalização do agente autuante demonstre “o nexo de causalidade entre a situação infracional apurada e a conduta do infrator identificado, comissiva ou omissiva”.

Embora já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[5], a responsabilização do autuado mediante avaliação de dolo e culpa ainda encontra resistência nos órgãos ambientais, portanto, é imprescindível que as normas formalizem e balizem o entendimento, a fim de garantir maior segurança aos próprios servidores, minimizando a confusão feita na prática entre a responsabilidade administrativa e civil.

Claro que, como toda e qualquer norma que se presta a regulamentar temas complexos, a IN não passa ilesa a questionamentos.

A norma também traz previsões controversas, como, por exemplo, denominar minorantes da multa como “desconto” e indicar que estas não podem ser cumuladas com os descontos da conversão ambiental – evidente que minorante não é benefício, mas sim circunstância atenuante prevista em lei, que reduz o grau de gravidade da infração.

Adicionalmente, a IN não se propôs a prever de forma clara e objetiva o momento do trânsito em julgado administrativo, o que reflete diretamente no aspecto da consolidação da penalidade e na contagem do prazo prescricional.

Contudo, em leitura técnica e ponderada da norma, a nova IN parece estar longe de enrijecer a atuação dos órgãos para autuação e/ou beneficiar o administrado, pelo contrário.

Aos que atuam na área, sabe-se que é urgente e necessário o esforço para desburocratizar, simplificar e garantir maior segurança jurídica na aplicação das normas ambientais. Movimento esse que se reflete, inclusive, no projeto da lei geral de licenciamento Federal (Projeto de Lei nº 2159/2021) e que não se confunde com flexibilização ou retrocesso ambiental.

Assim, em última análise, diante da objetividade e clareza de boa parte das disposições, espera-se que a norma resulte em uma atuação cada vez mais eficiente dos órgãos e garanta a necessária segurança jurídica aos administrados.

[1]  Carta nº 1/2021 -NMI-SC/DITEC-SC/SUPES-SC. Disponível em https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/04/IbamaCarta.pdf
[2] Gargalos do licenciamento ambiental federal no Brasil. Hofmann, Rose Mirian.
[3] IBAMA. Relatório de Gestão do Exercício de 2020. Disponível em https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-informacao/auditorias/Relatorio_Gestao_Ibama_2020.pdf
[4] https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/19/ibama-deixa-de-arrecadar-ate-r-20-bi-em-multas-por-demora-na-digitalizacao-de-processos.ghtml
[5] REsp 1640243/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 27/04/2017 e REsp 1708260/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 22/11/2018.

Fonte: Bichara Advogados para JOTA