Por Marcelo Carvalho da Silva Mayo
A ascensão das redes sociais e do fácil acesso a informação tornou comum a “viralização” de informações, notícias e postagens em geral pela internet, garantindo que em curtíssimos períodos, fatos sejam comunicados e espalhados de forma exponencial.
Se a modernidade trouxe a facilidade de propagação de informações, por outro lado diminuiu de forma drástica o direito de privacidade e confidência, visto que em muitos casos, as notícias espalhadas rapidamente tratam de fatos curiosos, privados ou sensíveis, ocorridos em um grupo social, ou mesmo por todo o mundo. Nem sempre o titular da informação espalhada, ou a pessoa a que se referem as notícias virais, desejava tornar público ou amplamente propagado o fato em questão.
Daí surgiu o Direito ao Esquecimento, que por definição é a possibilidade de que, após certo e razoável período, dados pessoais, notícias, fotos ou fatos sobre determinada pessoa venham a ser esquecidos, levados pelo tempo, e que este assunto não seja relembrado em grande escala. Assim, tais informações passariam a ser proibidas de serem veiculadas por meios de informação ou mídia.
Este direito é fruto de um princípio já há muito existente no Direito Penal, previsto no Art. 202 da Lei de Execução Penal, pelo qual garante-se que não constem registros de crimes cuja pena já tenha sido cumprida de forma integral, ou que tenha sido extinta, permitindo que o delito venha a ser esquecido e que o então criminoso possa se reintegrar à sociedade sem sofrer represálias.
Com a constante evolução jurídica, o Direito ao Esquecimento migrou ao âmbito civil, e passou a prestar proteção àqueles que foram expostos em situações traumáticas, constrangedoras, humilhantes ou íntimas. No efeito prático, permitiu que pessoas expostas constantemente passassem a serem protegidas pelo tempo, e tivessem direito de serem esquecidas, sob pena de requererem indenizações pela recorrente exposição de uma mesma ocasião.
Porém, o surgimento deste direito ocasionou danos diretos às redes midiáticas e a imprensa, que passaram a enfrentar processos judiciais por reiterar notícias que uma ou mais pessoas desejavam permitir cair no esquecimento. Então, iniciou-se o debate sobre os limites de cada direito: onde acaba o a liberdade de expressão e onde começa o direito ao esquecimento?
Provocado a analisar o debate, o Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1010606 (Tema 786 de Repercussão Geral), entendeu que o Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.
O Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, entendeu pela incompatibilidade do direito ao esquecimento com o ordenamento jurídico brasileiro. A ministra Cármen Lúcia, em seu voto que acompanhou o relator, argumentou que a memória coletiva garante o direito à verdade histórica, e garante a evolução social entre gerações, permitindo que erros do passado como escravidão, feminicídios, homofobia, entre outras causas, sejam relembradas e repugnadas no futuro. O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que a liberdade de expressão é um direito de primordial importância, pois está diretamente ligado à democracia.
Os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes discordaram do entendimento, mas foram vencidos pela maioria. Argumentaram que a exposição eterna de ocasiões humilhantes e vexatórias viola o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser protegido pela justiça, por meio de indenizações compatíveis com a extensão do dano.
Por fim, prevaleceu a ideia de que o Direito ao Esquecimento, por mais que plausível e conexo à dignidade da pessoa humana, é incompatível com a Constituição Federal, e que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
Fonte: RE1010606 – STF
Fonte: Andrade GC Advogados