Emergência climática e ESG: o que há de concreto?

Bichara Advogados para Valor Econômico

São necessárias regras mais claras e objetivas para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono

Por Luciana Gil e Patrícia Madanha Dias

Segundo dados do 6º Relatório do Grupo de Trabalho I do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), se mantida a economia à base de carbono, projeta-se um aumento na temperatura global, até o fim do século, entre 3,3º a 5,7º acima dos níveis pré-industriais. Indica-se, ainda, que se não forem adotadas reduções imediatas e em grande escala, será impossível limitar o aquecimento a 1,5º.

Essa urgência já é pauta do Judiciário. A chamada “litigância climática”, que no Brasil, mesmo sem obrigação direta de redução de gases de efeito estufa (GEE), já vem gerando questionamentos e imposições. Um exemplo que vale mencionar é a recente ação ajuizada pela ONG Conectas contra o BNDESPar, pleiteando que o banco publique plano de redução de GEE e a orientação de seus investimentos segundo metas do Acordo de Paris e Política Nacional de Mudança do Clima.


São necessárias regras mais claras e objetivas para viabilizar a transição para uma economia
de baixo carbono

Tudo isso se alia, adicionalmente, às exigências mais incisivas de que as empresas, investidores e seguradoras, comprovem sobre a incorporação da pauta ESG aos negócios, com o cuidado do que vem sendo criticado com relação às ações adotadas apenas para promoção midiática, na linha do greenwashing.

Esse contexto tem sido igualmente refletido na legislação e nos projetos em curso, ainda
que de forma muito tímida.

Em relação à pauta ESG, a Susep divulgou a Circular nº 666, de 29 de junho, dispondo
sobre os requisitos de sustentabilidade, a serem observados pelas sociedades seguradoras,
entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e
resseguradoras locais.

A normativa impõe que as seguradoras elaborem estudo de materialidade, no qual sejam
identificados, avaliados e classificados os riscos de sustentabilidade (climáticos,
ambientais e sociais). Exige-se, ainda, a implementação de critérios e procedimentos para
precificação e subscrição de riscos, com ou sem imposição de condições especiais; bem
como critérios e procedimentos para seleção de fornecedores e prestadores de serviços
que levem em consideração suas exposições aos riscos de sustentabilidade, além da
elaboração de políticas de sustentabilidade (inclusiva mediante a emissão de relatórios de
sustentabilidade).

No âmbito das instituições financeiras, a Resolução BCB n° 139, de 15 de setembro de
2021, embora tenha sido publicada no ano passado para dispor sobre a necessária
divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas
(Relatório GRSAC), ainda não foi integralmente internalizada pelas instituições. O prazo
para cumprimento encerra em dezembro deste ano.

Já na linha da instituição de um mercado de carbono no Brasil, foi publicado em 19 de
maio o Decreto Federal nº 11.075/2022, que instituiu o Sistema Nacional de Redução de
Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) e estabeleceu os procedimentos para a
elaboração dos planos setoriais de mitigação.


Desde então, as especulações e expectativas dos setores econômicos para a efetivação do
mercado brasileiro de carbono seguem em alta. Na prática e diversamente do que era
esperado, o decreto não criou efetivamente o mercado brasileiro de carbono, tampouco as
diretrizes para maior segurança jurídica nos projetos voluntários.


De qualquer forma, estabelecidas as bases para os planos setoriais, a iniciativa privada e
instituições de representação seguem com as discussões sobre as possibilidades e formas
de adequação das atividades com o objetivo de redução de emissões de GEE. Alguns
setores, por meio de associações, chegaram a celebrar protocolos de intenção com os
Ministérios, ainda genéricos, comprometendo-se a estabelecer curvas de emissão.


Fato é que, com ou sem alinhamento mais avançado, a iniciativa privada tem convergido
nas preocupações sobre a necessidade de que os planos setoriais e quaisquer estratégias
voluntárias ou reguladas tenham como pressuposto as particularidades dos setores
envolvidos, região afetada e interesse na regulamentação do mercado. A preocupação
também reside no fato de ainda serem incertos os caminhos que serão adotados pela nova
composição do Congresso e a depender da liderança do Executivo.


Isso se agrava considerando a existência de projeto de lei em tramitação na Câmara dos
Deputados, o qual sofreu grande pressão de aprovação ao longo do ano (PL nº 2148/2015,
no qual estão apensados os PLs nº 10073/2018, 5710/2019, 290/2020 e 528/2021).
Inclusive, no mesmo dia em que o decreto foi aprovado, a relatora do PL, deputada Carla
Zambelli (PL-SP), apresentou texto substitutivo.


Dentre as modificações propostas, foi incluída a previsão dos acordos setoriais como um
instrumento possível para definição das metas de redução de GEE e a inclusão de tipos
infracionais em caso de descumprimento das metas e dos reportes periódicos de gases.

A par desses desafios, o ponto de convergência ainda está na necessária e urgente criação
de regras mais claras e objetivas no âmbito nacional para viabilizar a transição da
economia para efetivamente de baixo carbono, colocando o Brasil na dianteira das
discussões internacionais, evitando ajustes de fronteira (conforme mecanismos em
planejamento pela União Europeia, a exemplo do CBAM) ou perda de competitividade do
mercado nacional no âmbito internacional.

As empresas, por sua vez, precisam atuar como protagonistas nesse cenário, seja por meio
da implementação efetiva da pauta ESG, adoção de boas práticas ESG, alinhamento dos
negócios aos propósitos de desenvolvimento sustentável e, eventualmente, pela adoção de
medidas de mitigação e compensação das emissões de GEE.

É o chamado ponto de não retorno – seja para atendimento da necessidade do planeta
para as presentes e futuras gerações, seja para impedir barreiras comerciais que
dificultem ainda mais os negócios no país.

Fonte: Bichara Advogados para Valor Econômico

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