Por Luciana Gil e Thais Monteiro
Não se pode ignorar os avanços do setor, especialmente as mais recentes publicações legislativas e políticas públicas
Há aproximadamente 12 anos, inaugurava-se o marco da gestão de resíduos no país, com a publicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei Federal no 12.305/2010). De lá para cá, inúmeros foram os desafios para garantir a efetiva implantação das diretrizes e dos instrumentos previstos na legislação.
Segundo o “Panorama de Resíduos Sólidos de 2021”, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), durante o ano de 2020, foram geradas 82,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o equivalente a 225.965 toneladas diárias.
Não se pode ignorar os avanços do setor, especialmente as mais recentes publicações legislativas e políticas públicas
A maior parte dos resíduos seguiu para disposição em aterros sanitários, mas cerca de 40% do total de resíduos coletados ainda é disposto de forma inadequada.
É inegável, no entanto, que a realidade do Brasil é desafiadora. Trata-se de um país com dimensões continentais e expressiva disparidade regional, onde o gerenciamento de resíduos sólidos envolve diversos atores e demanda infraestrutura, logística e rastreabilidade, em um cenário de desequilíbrio econômico
e estrutural entre os envolvidos e informalidade de parte do mercado.
Nesse contexto, há um esforço bastante expressivo para maior desenvolvimento e engajamento do setor, com destaque às produções legislativas e políticas públicas recentes voltadas a viabilizar ações adequadas de gestão de resíduos.
O novo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal no 14.026/2020) teve um papel importante nesse impulso, determinando a cobrança pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (sustentabilidade econômico-financeira) e reeditando os prazos para o fim dos lixões, além de priorizar e simplificar os
procedimentos de licenciamento ambiental para os empreendimentos do setor.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) assumiu atribuições específicas para gestão de resíduos e publicou a Norma de Referência no 1/2021, que irá nortear a cobrança pela prestação de serviços de manejo.
No último dia 3 de maio, a ANA divulgou que, até fevereiro de 2022, 1.684 municípios enviaram informações ao órgão sobre os instrumentos de cobrança, taxas ou tarifas instituídas ou os seus cronogramas de implementação. Ainda é um número pouco expressivo em um universo de 5.568 municípios, mas é preciso olhar com otimismo para os avanços.
Em 12 de janeiro, a PNRS ganhou nova regulamentação com a publicação do Decreto Federal no 10.936/2022, adequando-se à realidade atual e aos avanços mercadológicos do setor. Até então, as diretrizes eram pautadas pelo Decreto no 7.404, de 2010.
Além disso, em 14 de abril, após quase uma década de espera, foi aprovado o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), por meio do Decreto Federal no 11.043/2022, trazendo metas, diretrizes, estratégias e ações para gestão de resíduos no país, dando maior previsibilidade e segurança jurídica. O plano reforça, por exemplo, que todos os lixões devem ser encerrados até 2024.
Nesse contexto, a logística reversa ganha destaque como instrumento primordial de gestão de resíduos. Prevista desde 2010 na PNRS, consiste em um conjunto de ações para viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos ao setor empresarial.
Determinadas tipologias, como embalagens de agrotóxicos, eletroeletrônicos e medicamentos já possuem sistemas de logística reversa próprios, e em operação em grande parte do país.
Outras tipologias, em especial, as de embalagens em geral, vem ganhando tração com regulamentos específicos e termos de compromisso firmados em diversos Estados, como Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Só neste ano, o setor empresarial teve que comprovar o cumprimento da logística reversa e/ou apresentar os respectivos planos de logística para órgãos ambientais de quatro Estados, com prazos que encerraram em abril deste ano. A tendência é que tais obrigações se estendam e se consolidem no panorama nacional,
especialmente com a nova governança e estruturação em andamento.
A nova regulamentação da PNRS, por exemplo, prevê a instituição de um Programa Nacional de Logística Reversa para otimizar a implementação e operacionalização da infraestrutura física e logística, proporcionar ganhos de escala e a sinergia entre os sistemas existentes.
Nesse contexto, o Decreto Federal no 11.044/2022 teve o mérito de regulamentar o Certificado de Crédito de Reciclagem – Recicla+, uma modelagem de cumprimento de logística reversa que poderá proporcionar injeção de investimentos privados na cadeia de reciclagem.
O crédito de reciclagem já era utilizado como uma prática de mercado e aceito em alguns Estados, mas, agora, alcança status de norma geral, dando maior segurança jurídica para todos os envolvidos na sua comercialização.
Para as empresas que não possuem sistema próprio de logística reversa, o certificado é mais uma solução disponível para o atendimento das metas, sem afastar a possibilidade de serem adotadas ações integradas, como a estruturação da cadeia de reciclagem em si.
Ainda que paulatinos, não se pode ignorar os avanços do setor, especialmente as mais recentes publicações legislativas e políticas públicas, que buscam dar maior robustez às diretrizes e estratégias para gestão de resíduos no país.
Os desafios são inúmeros e as metas, louváveis, mas a materialização das ações e, finalmente, o atingimento de patamares relevantes de reciclagem só serão possíveis com a contínua articulação entre entes federativos, a participação do setor privado, capacitação dos operadores logísticos e o desenvolvimento tecnológico do setor.
Fonte: Bichara Advogados para Valor Econômico