IPI na revenda de importados: perda de efeitos de coisa julgada

Bichara Advogados para Jota

Por Giuseppe Pecorari Melotti, Alexandre Teixeira Jorge e Carolina Jezler Müller

No julgamento dos Temas 881 e 885, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a perda automática dos efeitos das decisões transitadas em julgado em sentido contrário à decisão superveniente proferida em ação direta ou em sede de repercussão geral, respeitadas a irretroatividade e as anterioridades anual e nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Se a fixação dessa tese já era previsível, ante a formação prévia de uma maioria no STF sobre a questão de fundo, o mesmo não pode ser dito quanto à negativa de modulação dos seus efeitos.

Sem adentrar no mérito da decisão e nos abalos à segurança jurídica que isso causará, fato é que esse precedente obrigatório traz consequências práticas sobre diversas discussões tributárias, destacadamente, aqui, a da incidência do IPI sobre a revenda de produtos importados.

Durante anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência do IPI na revenda de produtos importados, não submetidos a processo de industrialização. Em 2014, a 1ª Seção daquele tribunal chegou a uniformizar tal entendimento de forma favorável aos contribuintes, porém, sem efeitos vinculantes aos demais tribunais.

Porém, em 2015, a corte “guinou o barco” e passou a admitir a cobrança do IPI em tais hipóteses, e o fez com eficácia vinculante (Tema Repetitivo 912).

Em 2020, foi a vez do STF. Ao julgar a matéria com repercussão geral (Tema 906), validou a exigência do IPI na revenda do produto importado, sem modular os efeitos da decisão.

Entre esses marcos temporais, diversos contribuintes obtiveram decisões definitivas que afastavam a cobrança do IPI sobre as operações de revenda de produto importado, aproveitando-as como forma de reduzir seus custos de importação, seja na modalidade direta ou por encomenda.

Diante da posição do STF de permitir a interrupção automática da eficácia temporal da coisa julgada em sentido contrário às suas decisões vinculantes, a 1ª Seção do STJ, no mesmo dia, julgou parcialmente procedente a Ação Rescisória 6.015/SC, para desconstituir acórdão da 2ª Turma do próprio STJ e restabelecer a incidência do IPI sobre a revenda de produtos importados a partir da publicação da ata de julgamento do Tema 906 pelo STF, ocorrido em 8 de setembro de 2020, respeitado o prazo de espera de 90 dias inerente ao referido imposto, conforme art. 150, inciso III, alínea “c” e parágrafo 1º da Constituição.

Houve divergência acerca do cabimento da ação rescisória, já que o STF entendeu que a perda de efeitos da coisa julgada é imediata. Contudo, ao final, e de maneira inovadora, afastou-se o óbice da Súmula 343 do STF e se admitiu a propositura da ação rescisória sob o entendimento de que não haveria empecilho para a Fazenda Nacional recorrer ao Judiciário na tentativa de fazer prevalecer a sua pretensão, sobretudo porque o pedido da ação (proposta antes de o STF julgar o mérito da questão em torno da incidência do IPI na revenda de produtos importados) possuía uma abrangência maior do que a tese ora fixada pelo STF sobre a eficácia da coisa julgada.

De início, vale registrar que o STJ analisou uma situação fática oriunda de uma demanda coletiva e, portanto, distinta daquela examinada pelo STF nos Temas 881 e 885, que envolviam ações individuais dos contribuintes. Consequentemente, a solução jurídica por ele adotada não necessariamente deveria ser idêntica à do STF, inclusive no tocante à modulação de efeitos, embora este ponto ainda esteja em aberto nas duas cortes, diante do cabimento de novos recursos em cada caso.

De todo modo, ante o exame da controvérsia tanto no STJ como no STF, em julgamento de recurso repetitivo e de repercussão geral, a 1ª Seção do STJ fixou a decisão de mérito do STF como marco temporal para a retomada da cobrança do IPI na revenda de produtos importados, observada a regra da anterioridade nonagesimal.

Afinal, se o STF já reconheceu a repercussão geral da questão, deixando clara a sua natureza constitucional, cabe a ele a última palavra sobre a controvérsia.

Neste contexto, abre-se caminho para que a Receita Federal cobre o IPI nessas operações de revenda desde 8 de dezembro de 2020, o que tende a fazer com que certas empresas repensem a sua estrutura de importação, especialmente aquelas que fazem importação por encomenda com a participação de trading companies que possuíam coisa julgada para afastar a incidência do IPI na revenda.

Além, que pensem, em relação ao passado, na possibilidade de recolher voluntariamente os valores do imposto sem a incidência de multa, valendo-se dos benefícios da denúncia espontânea (art. 138 do Código Tributário Nacional).

Aqui, cabem duas considerações, que, a nosso ver, podem minimizar o impacto dessas decisões do STF e do STJ.

A primeira delas é que a exigência do IPI na revenda do produto importado traz, como contrapartida, a possibilidade de o importador aproveitar o valor pago a título de IPI na importação como crédito para abatimento do valor devido do imposto na operação de revenda.

O aproveitamento de créditos extemporâneos é uma alternativa à disposição do importador e prevista na legislação de regência do IPI, desde que apropriado pelos valores nominais dentro do prazo de cinco anos da data da entrada do produto no estabelecimento importador.

A segunda observação refere-se à aplicação do art. 100, caput e parágrafo único, do CTN, para fins de delimitação do passivo tributário daquele contribuinte que gozava de coisa julgada em seu favor para não recolher o IPI na revenda do produto importado.

A partir do momento que o STF declara que essa coisa julgada perde automaticamente seus efeitos com uma decisão contrária por ele proferida, de caráter vinculante, merece ser afastada qualquer pretensão de cobrança de penalidades e juros de mora no período entre a data da decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal que permitiu a cobrança do tributo e a data do julgamento dos Temas 881 e 885.

A observância da irretroatividade também deve se projetar sobre os efeitos da decisão dos Temas 881 e 885, uma vez que, antes disso, sequer havia como se cogitar no cometimento de uma infração pelo contribuinte que estava amparado por uma coisa julgada.

No atual cenário de ânimos exaltados, é fundamental que o fisco e os contribuintes busquem equilíbrio e moderação para a solução desta controvérsia, de forma a reduzir o risco de litigiosidade em torno de temas correlatos e de piora no ambiente de negócios. Do contrário, todos sairão perdendo.

Escritório Aliado: Bichara Advogados para Jota

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