Por David Fernando Rodrigues e Thaís Lio
Disney continua a ter a proteção sobre os direitos das versões mais modernas do Mickey.
Nos últimos dias, a notícia de que a Walt Disney perderá os direitos autorais sobre o personagem Mickey Mouse a partir de 2024 tem se destacado e vem sendo abordada com recorrência no mundo da Propriedade Intelectual. Mediante tantas especulações e desencontro de informações, importante que sejam tecidos alguns comentários e esclarecimentos relativos ao tema.
Apesar da sua inquestionável fama, indispensável que se faça uma breve apresentação do personagem em questão. Também conhecido apenas como Mickey, este ícone dos desenhos animados se tornou o símbolo da Walt Disney Company, tendo sua primeira aparição ocorrido no curta-metragem “Steamboat Willie”, em 18 de novembro de 1928, e, apesar do seu quase um século de ”vida”, o sucesso do ratinho perdura até hoje.
Ao longo da sua existência, o camundongo concebido com atributos humanos evoluiu de simples personagem de desenhos animados e quadrinhos para se tornar um dos símbolos mais conhecidos no mundo do entretenimento.
Todo este prestígio não se trata de mera especulação. Mickey foi o primeiro personagem de desenho animado amplamente licenciado, sendo seus primeiros produtos um livro, em 1930, e um relógio, em 1933. De lá para cá seu rosto passou a ser visto nos mais diversos lugares, como materiais escolares, roupas, brinquedos e tudo mais que se possa imaginar!!
Feita a devida apresentação e passando às questões jurídicas que permeiam o tema, importante esclarecer que Direitos Autorais são aqueles concedidos aos criadores de obras intelectuais atinentes à sua criação, ou seja, trata-se do direito do criador da obra intelectual de protege-la, podendo estas serem produções artísticas, culturais e científicas. Apesar das nuances que distanciam a legislação Norte Americana da Brasileira, pode-se afirmar que, a grosso modo, sua manifestação mais popular se dá por meio da expressão “copyright” ou “todos os direitos reservados”.
Além de ser um direito constitucionalmente assegurado aos autores (artigo 5º, XXVII, da Constituição Federal), sua proteção também se dá no âmbito das leis ordinárias, por meio da Lei de Direitos Autorais (n.º 9.610/98), que dispõe amplamente a respeito do tema, incluindo, dentre outras questões, quais obras estão sujeitas a proteção legal, quais não estão e quais podem ser usadas sem que tal uso configure violação.
Dentre as centenas de artigos existentes para este breve estudo, importante que se tenha em mente a ideia de que qualquer reprodução, distribuição ou alteração de uma obra protegida deve contar com a aprovação prévia do seu autor, ou seja, o detentor do direito moral e patrimonial sobre a obra, independente desta ter sido, ou não, submetida a registro.
No Brasil, a legislação determina que, em geral, os direitos patrimoniais do autor perdurem por 70 anos, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento. Em que pese as inúmeras críticas ao extenso prazo concedido, este se justifica a fim de assegurar aos herdeiros dos titulares destes direitos o devido sustento através dos louros decorrentes da exploração das obras protegidas. Findo esse prazo, a obra cai em domínio público e é devolvida à coletividade para que todos possam utilizá-la livremente, de modo gratuito, desde que respeitados alguns direitos morais do autor, como a integridade da obra e os devidos créditos.
Já nos Estados Unidos os prazos são um pouco diferentes. Dentre as diversas alterações já realizadas, cumpre destacar aquela ocorrida em 1998, quando a Suprema Corte Americana julgou a constitucionalidade de uma lei que ficou conhecida como Mickey Mouse Protection Act, dado o forte apoio da Disney ao projeto que, ao final, estendeu por 20 anos a proteção jurídica para os direitos autorais sob a justificativa de deixá-la em sintonia com a legislação adotada pela União Europeia.
Desta forma, alguns direitos autorais passaram a perdurar pelo prazo de 95 anos, sendo inegável que a Disney foi uma das que mais se beneficiou com a mudança na lei, pois sem ela seus direitos sobre o personagem Mickey Mouse teriam se encerrado em 2004, caindo em domínio público.
Feito estes esclarecimentos, chega-se à pergunta que não quer calar: com a chegada do ano de 2024, a Walt Disney perderá os direitos autorais sobre o personagem Mickey Mouse?
A resposta é não!. O que cai em domínio público ao fim de 95 anos é apenas a primeira versão do personagem Mickey Mouse, criada no ano de 1928 em coautoria por Walt Disney e Ub Iwerks, não ocorrendo a perda dos direitos autorais sobre todos os desenhos do personagem, que, inclusive, sempre foi submetido à constantes modificações ao longo dos anos.
No entanto, e aqui está o ponto chave desta breve análise, o sucesso alcançado pelo simpático “Ratinho Falante” fez com que seu personagem quebrasse a quarta parede, saindo das telas e páginas de revistas para identificar os mais diversos produtos e serviços.
Esta ampliação do caráter de uso do personagem, passando de mero integrante de uma obra literária/audiovisual para identificador de bens e serviços, conferiu-lhe características que possibilitaram aos seus titulares buscar novas estratégias de proteção da sua figura, resultando em centenas de pedidos de registro de marca no Brasil e em todo o mundo.
Apenas a versão original do Mickey de 1928, estará livre de direitos autorais, não sendo possível usar o personagem com elementos protegidos por direitos autorais em suas versões posteriores. O Mickey de 1928 não tem as luvas e os sapatos grandes do Mickey atual, e seus olhos são pequenos ovais pretos sem pupilas.
Além disso, quem for utilizar a imagem precisa estar atento para não confundir os consumidores, fazendo-os pensar que a criação é produzida ou patrocinada pela Disney como uma questão de lei de marcas registradas.
Vale a exploração, por exemplo, profissionais criativos como cartunistas agora podem retrabalhar e usar as versões iniciais do Mickey, na verdade, qualquer pessoa pode usar essas versões sem permissão ou custo.
Porém a Disney continuará a ter a proteção sobre os direitos das versões mais modernas do Mickey e outros trabalhos que permanecem sujeitos a direitos autorais, protegendo-se contra a confusão do consumidor causada por usos não autorizados do Mickey. Dessa forma, caso a Disney entenda que a sua marca está sendo diluída ou manchada, não poupará esforços e será proativa na proteção de sua marca.
A adoção desta estratégia de proteção fez com que a Walt Disney se adiantasse à esperada cessação da proteção dos seus direitos autorais, que, nada sendo feito, em algum momento invariavelmente resultaria na autorização para que todos pudessem utilizar livremente o personagem Mickey Mouse de 1928.
Outro exemplo muito conhecido desta prática se deu em relação ao livro O Pequeno Príncipe, obra publicada em 1943 e cujos direitos de autor também já caíram em domínio público. Contudo, com o registro de seu título e personagens como marcas obteve-se se a extensão da proteção destes.
Cumpre destacar que nesta estratégia de ampliação do escopo de proteção de seus personagens é prática comum dos titulares requerer seus registros em diversos países ao redor do mundo, nas mais diversas classes, já que sua exploração pode se dar em inúmeros contextos. A título de exemplo, apenas no Brasil a Walt Disney é titular de mais de 2000 pedidos e registros de marcas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
Por óbvio, tais práticas suscitam acaloradas discussões relativas à “legalidade” da ocorrência de dupla proteção destes ativos intelectuais, que em última instância impedem que os efeitos do domínio público pairem sobre estas obras. Entretanto, que se esclareça que o teor destas discussões possui caráter exclusivamente moral, na medida em que a legislação vigente não impede o registro destes personagens como marcas em todas as classes em que vierem a ser explorados, desde que atendam aos requisitos de registrabilidade previstos na Lei da Propriedade Industrial.
Vale destacar que esta estratégia de proteção pode ser aplicada não apenas a personagens que, assim como o Mickey, alcançaram projeção mundial, mas a qualquer personagem ou obra autoral que se pretenda utilizar como marca e cumpra os requisitos de registrabilidade, bastando para tanto que o titular inicie sua exploração em até 05 anos após a concessão, e desta forma o registro não ficará vulnerável a uma ação de caducidade.
Da análise destas práticas, denota-se a importância de as empresas cuidarem e protegerem seus direitos de propriedade intelectual, adotando as precauções necessárias em todas as etapas do projeto, passando pela “criação”, “nascimento” e “vida” de suas marcas e personagens, sempre contando com auxílio de um escritório especializado, visto a expertise em todas as etapas.
Escritório Aliado: Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello para Jota