Mudança em instituto de patentes preocupa entidades | Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello para Valor Econômico

Governo estuda extinguir INPI e repassar suas atribuições à ABDI

A comunidade que trabalha com proteção intelectual no Brasil está apreensiva a respeito da ideia do governo de extinguir o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e repassar suas atribuições à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), o que poderia, na avaliação de entidades e especialistas, gerar conflitos para a atuação do órgão. O INPI é a autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, responsável por analisar solicitações de registro de patentes, marcas, programas de computador, entre outros ativos.

A pedido da Secretaria Especial de Fazenda, a Secretaria de Orçamento Federal analisou, em nota técnica de dezembro, os impactos fiscais de transformar a ABDI na Agência Brasileira de Desenvolvimento e Propriedade Industrial (ABDPI). As competências do INPI seriam incorporadas por essa nova agência, que atuaria no formato de serviço social autônomo, compondo o chamado Sistema S, em que entidades privadas desempenham atividades de utilidade pública.

A proposta causa “preocupação e estranheza”, afirma Luiz Edgard Montaury Pimenta, presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), que reúne diferentes atores do segmento, como escritórios de advocacia e empresas líderes no depósito de patentes. “O INPI tem que ser um órgão isento, para decidir sobre o exame de marcas e patentes, que são bens valiosíssimos. Passar o exame disso para uma entidade do Sistema S é muito estranho. No mundo não é assim, poderia haver conflito de interesse”, diz Pimenta.

Uma mudança como a proposta se assemelha a uma privatização, na avaliação de Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Proteção Intelectual, formado por organizações da sociedade civil como a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). “O Estado decide se uma tecnologia vai permanecer em domínio público ou se vai ser explorada na forma de monopólio. Ele consegue fazer isso justamente porque é o intermediário entre o público e o privado. Colocar nas mãos do setor privado a regulação sobre o setor privado é impensável”, afirma.

Para o advogado Pedro Barbosa, professor da PUC-Rio e especialista em propriedade intelectual, os serviços prestados pelo INPI são essenciais e, portanto, não podem ser oferecidos pela iniciativa privada. “O INPI processa pedidos de patentes militares, bélicas, de submarinos, aviões de guerra, que, inclusive, tramitam em segredo. Imagine abrir segredos de segurança nacional para um ente privado?”, questiona o especialista.

Barbosa também ressalta que, diferentemente de outras autarquias federais, o INPI é superavitário. “Privatizar algo que está dando lucro me parece estranho, não parece uma medida fiscalmente responsável.”

A ideia do Ministério da Economia com a proposta é dar continuidade ao enxugamento da máquina pública federal, reduzindo gastos com pessoal e abrindo espaço no Orçamento da União. O texto encaminhado para análise prevê, por exemplo, a extinção de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações do INPI. Servidores do instituto com cargos efetivos poderiam ser cedidos à futura ABDPI, passando para a folha da entidade privada, mas outros seriam redistribuídos para os ministérios da Economia e da Ciência e Tecnologia ou demais órgãos e entidades federais, o que limitaria a economia prevista com a medida, observa a nota técnica da Coordenação-Geral de Despesas com Pessoal.

Pimenta reconhece que a discussão tem como mérito oferecer autonomia financeira ao INPI, uma reivindicação antiga da associação. “O INPI fica com um pedaço pequeno da sua receita, a maior parte é repassada ao governo, só que ele precisa reinvestir, se aparelhar tecnologicamente, e isso deveria ser feito com o que arrecada”, afirma.

A perda de receita para a União é ponto de atenção na nota técnica, já que a mudança exigiria algum tipo de compensação orçamentária. No ano passado, o INPI arrecadou R$ 478,4 milhões e teve despesas empenhadas de R$ 280 milhões (sem considerar o pagamento a inativos) – cerca de 75% desse montante para cobrir gastos com pessoal e apenas 3%destinados a investimentos. A receita não utilizada pelo INPI vai para a Conta Única do Tesouro, que, na parcela referente ao instituto, acumulava saldo de R$ 1 bilhão no fim de 2019.

“Se para alcançar autonomia financeira o INPI precisar se transformar em uma agência ou ter natureza jurídica diferente, isso tudo pode ser estudado e conversado. Não somos avessos a mudanças, mas tem que tomar cuidado com a forma como elas são feitas”, afirma Pimenta.

O “timing” da proposta também é questionado. Desde agosto, está em vigor no INPI o Plano de Combate ao Backlog de Patentes, com medidas para agilizar o exame dos pedidos na fila, cujo atraso médio supera seis anos. Entre setembro de 2019 e o início de janeiro deste ano, o estoque havia caído de 147,2 mil para 130,8 mil depósitos em espera. O objetivo é zerar a fila até 2021.

“Colocar a gente no Sistema S não é só um conflito de interesse, mas também de natureza, não temos natureza de aprendizado ou educacional”, diz Saulo da Costa Carvalho, presidente da associação de funcionários do instituto (Afinpi). Segundo ele, o INPI tem cerca de 1.100 quadros ativos. Carvalho diz que a Afinpi vai buscar apoio no Congresso para barrar eventual avanço da proposta.

Em recado aos funcionários do INPI, o presidente do instituto, Cláudio Vilar Furtado, escreveu que o trabalho da entidade é reconhecido como essencial para o desenvolvimento econômico do Brasil e que “seria descabido extinguir esse trabalho”. Segundo Furtado, “estudos técnicos, ainda inconclusos, objetivam o aumento da produtividade e da eficiência da gestão pública”. O Ministério da Economia afirma em nota que a questão está em análise, em âmbito técnico, e ainda não há decisão sobre o tema.

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