O Direito penal pode acabar com a corrupção no Brasil? | André Xavier, Machado e Fernandes Advogados

A aplicação isolada do direito penal jamais seria capaz de extirpar os crimes relacionados à corrupção.

Aliás, poder-se-ia citar aqui um pseudo-axioma que tem sido muito repetido nos círculos de discussões desta advogada dos últimos anos: “as sociedades corruptas tendem a ter muito mais leis que as sociedades com governos honestos”.

Regulamentação em excesso é sem dúvida um terreno fértil para comportamentos corruptos ao criar fontes artificiais de receita.

Em simples pesquisa no Google, o famoso pai dos burros e leitores preguiçosos, o verbo corromper, em uma primeira acepção, tem um sentido mais amplo que a prática pura e simples de corrupção política. Neste primeiro sentido, o verbo “corromper” significa a transformação – danosa para a sociedade – da personalidade da pessoa alçada à posição de exercer poder sobre os demais cidadãos (que antes desta transformação danosa eram considerados, pela normas escritas e não escritas, seus iguais).

Disso já decorre uma primeira conclusão: o buraco é mais embaixo que vigiar e punir. Peço vênia ao Foucault. Não é por mal.

Temos aprendido desde os tempos de escola que o nosso modelo de colonização lançou as bases para a difusão da corrupção, que seguiu encontrando terreno fértil para se manter na esfera pública, alimentada pela falta de punição e pela manutenção de elites no poder.

Em Terras Canarinhas existe um princípio conhecido como lei de Gerson, o qual se refere a forma como um indivíduo age para conseguir obter vantagens em tudo que é feito ou produzido. Uma maneira negativa de conseguir benefícios para si mesmo em detrimento dos direitos dos outros. E esse tipo de lei está entre as relações brasileiras há séculos, mais precisamente desde a chegada dos portugueses.

E assim temos, desde sempre, alimentado a ideia de que a corrupção é um mal da sociedade brasileira, inerente a ela, alimentada por ela, incrustada em sua cultura. A sociedade brasileira avançou muito no sentido de punir, mas não dá para varrer em poucos anos uma cultura.

Os dados do Pisa, um exame feito pela OCDE a cada três anos em 65 países, com o Índice de Percepção de Corrupção Mundial feito anualmente pela ONG Transparência Internacional em 177 países. Os dados mostram que países que estão no topo da avaliação do Pisa também estão entre os menos corruptos.

Os governos corruptos, que desviam muito dinheiro, acabam investindo menos em educação. E com educação muito ruim para a maioria da população, a sociedade cobra menos do governo.

O oposto também é real. É o chamado de “círculo virtuoso positivo”. E, nesse círculo, tudo tende a funcionar bem. Com menos desvio de dinheiro, sobra mais dinheiro para educação. E como uma sociedade mais bem educada acompanha, participa e cobra mais do governo, a corrupção tende a diminuir.

Por exemplo: Nos países onde almejarmos levar nossos romances para
tirar férias (sim, Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Noruega), os governos são mais honestos e as escolas são boas. Mas não é só isso: o
transporte público é bom, os hospitais são bons, as universidades são boas.

O dilema é o mesmo do ovo e da galinha: países com melhores níveis de educação atingem tais patamares porque são menos corruptos ou são menos corruptos porque têm melhores níveis de educação?

É provável que sejam as duas coisas: um sistema que se retroalimenta.

É fácil esquecer que os governos nos países em desenvolvimento e de
renda média estão frequentemente na vanguarda da luta contra a corrupção. Suas lutas para projetar, implementar e defender instituições anticorrupção em face de desafios assustadores trazem lições valiosas para os esforços globais para garantir transparência e honestidade nos gastos públicos.

Um programa (chamado Inovações para Sociedades de Sucesso – ISS) da
Universidade de Princeton examinou agências anticorrupção em oito países: Botsuana, Croácia, Gana, Indonésia, Letônia, Lituânia, Ilhas Maurício e Eslovênia. Os pesquisadores do programa descobriram que agências de combate à corrupção bem-sucedidas seguiram vários caminhos comuns para superar os obstáculos e criar força e credibilidade.

O fortalecimento interno das instituições e das agências de anticorrupção
foi essencial, por exemplo, na Indonésia. Os pesquisadores de Princeton
chamaram isso de “Construir força de dentro” (Build strength from within).

Embora a comissão de erradicação da corrupção da Indonésia não tenha anunciado seu primeiro caso por mais de um ano após seu início, passou o tempo recrutando pessoal por meio de competição aberta, estabelecendo códigos éticos, treinando investigadores e desenvolvendo procedimentos internos abrangentes. Essa abordagem deliberada evitou o tipo de escândalo de corrupção interna que arruinou a agência de prevenção e combate à corrupção da Letônia, onde dois funcionários foram descobertos terem roubado ativos avaliados em cerca de US$ 300.000.

Por isso se conclui ser importante o fortalecimento interno. Controles
internos sólidos e mecanismos de responsabilização permitem que as agências de combate à corrupção realizem suas missões e evitem abusos internos que podem prejudicar sua credibilidade. Procedimentos úteis incluem aqueles que se concentram no recrutamento, treinamento e gerenciamento ativo da integridade da equipe, bem como na garantia dos mais altos padrões éticos pela liderança da agência.

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O cultivo de alianças influentes também é essencial
O apoio externo é fundamental para que as agências de combate à
corrupção superem os poderosos oponentes. Promover alianças eficazes com diferentes grupos requer criatividade e diligência.

Na Europa, o bureau da Croácia para combater a corrupção e o crime organizado buscou obter apoio da mídia treinando seus promotores em relações com a mídia (fica a dica, Ministro Moro!), quebrando sua relutância em falar com a mídia, dando-lhes as habilidades para fazê-lo.

A comissão de Gana sobre direitos humanos e justiça administrativa, noutro turno, ajudou a construir sua própria base de apoio, incentivando a formação de organizações locais da sociedade civil, com o diretor da agência organizando pessoalmente um capítulo local da Transparência Internacional.

Outros potenciais aliados incluem instituições estatais complementares,
como o judiciário ou agências responsáveis pela informação e comunicação, ou atores internacionais, tais como órgãos da ONU ou organizações doadoras bilaterais. Em última análise, no entanto, os próprios cidadãos podem servir como defensores mais tenazes da agência anticorrupção. (Isso tem acontecido no Brasil, mas num nível ainda sem conhecimento, sem controle, sem o devido comprometimento de todas as esferas. Infelizmente ainda existe aquela mãe de família que marcha no domingo vestida com a camiseta da seleção brasileira na Avenida Afonso Pena, mas durante a semana paga propina para o servidor facilitar a vida da empresa do pai da família. Mas é incontestável que o brasileiro, no geral, não aceita mais a corrupção como algo comezinho ao cotidiano, como
algo imbatível. Ufa. É um bálsamo.)

A conscientização e a educação, claro, são ferramentas inegáveis e velhas-conhecidas para combater diretamente a corrupção, mas os esforços bem-sucedidos para mudar normas ou comportamentos no governo e na sociedade também podem fortalecer as agências de combate à corrupção.

Uma vantagem adicional é que as reformas preventivas geram pouco retorno dos oponentes das agências anticorrupção. Reforçar a integridade das instituições públicas é primordial. Foi o que as agências anticorrupção de diversos países fez: a Comissão independente contra a corrupção das Maurícias (Icac), a Direção do Botswana sobre corrupção e crime econômico e a Comissão anti-corrupção da Indonésia. Todos fizeram esforços significativos para reforçar a integridade das instituições públicas. Por exemplo, o Icac da Maurícia treinou instituições públicas através do desenvolvimento de planos de integridade, baseados nas melhores práticas. O Botswana e a Indonésia deram um passo além ao se envolver com grupos de jovens e estudantes para aumentar a conscientização sobre a corrupção na população em geral.

Nesse contexto, claro que não adianta demonizar a corrupção. É preciso
explicar aos jovens as consequências nefastas dela, a fim de que eles entendam que não é apenas uma questão moral, mas prática, que abala todas as estruturas do país.

Ter as ferramentas corretas e trabalhar os meios de comunicação e o apoio
público parece ser de extrema necessidade.

De acordo com os pesquisadores de Princeton, isso faz a diferença quando
as agências anticorrupção assumem casos de alto perfil, envolvendo altos
funcionários e grupos de interesse proeminentes. Agências novas a priori têm menos credibilidade, capacidade e influência política. Casos processados sem o devido zelo podem gerar uma inesperada e a retaliação podem prejudicar ou destruir suas organizações. Exemplo prático disso: O departamento de combate à corrupção da Letônia constatou que sua abordagem de alta visibilidade contra os oligarcas gerou apoio público após a crise financeira de 2008, embora isso tenha sido parcialmente motivado por medidas de austeridade implementadas durante o período. Em contrapartida, quando o Serviço Especial de Investigação da Lituânia investigou políticos no período que antecedeu as eleições de 2004, não dispunha dos meios de comunicação e do apoio público necessários para superar o retrocesso que enfrentava. O diretor do serviço renunciou, e a agência voltou-se para uma abordagem de baixa visibilidade que enfatizava a educação e a simplificação de processos burocráticos no governo mais amplo.

É claro que essas abordagens (fortalecimento interno das instituições; cultivo de alianças influentes; conscientização e educação; ter ferramentas corretas; trabalhar os meios de comunicação e o apoio público) não garantem um país livre de corrupção e são apenas uma faceta de uma estratégia abrangente para aumentar a transparência e a prestação de contas. No entanto, eles fornecem orientação valiosa para reformadores em todo o mundo que esperam fazer incursões contra a corrupção endêmica em seus países e em suas próprias instituições.

Combater a corrupção que está arraigada exige acabar com uma armadilha
de corrupção em que a estrutura existente de incentivos se autoperpetua. Quebrar esse equilíbrio ineficiente requer resolver um problema de ação coletiva (travar uma verdadeira guerra contra interesses velados) e superar os formidáveis obstáculos da economia política.

Uma estratégia eficaz de combate à corrupção requer estruturas jurídicas
fortes, intensidade de fiscalização, foco na limpeza e muita perseverança. Lideranças fortes e patriotismo também são essenciais para garantir que o apoio público de amplos segmentos da sociedade seja sustentado durante toda essa longa luta. O direito penal é apenas a ponta do iceberg.

Por Luiza C. Cavaglieri Faccin

Fonte: André Xavier, Machado e Fernandes Advogados