Por Renato Rossato Amaral Lang
O Direito do Trabalho é fenômeno recente do ponto de vista histórico, já que os pressupostos que lhe deram origem se afirmaram apenas após a Primeira Revolução Industrial, no final do Século XIX. A origem etimológica da palavra trabalho (do latim tripalium, que significa, literalmente, “três paus”, e consistia num instrumento formado pela junção de três estacas, com utilização na lavoura e que também tinha funções de tortura) dá conta de que o labor humano era, em suas origens, sinônimo de punição.
Com efeito, durante toda a antiguidade clássica, Idades Média e Contemporânea, o trabalho humano era reservado a escravos ou servos, ou realizado em menor escala em regime familiar ou em oficinas de aprendizagem. Antes da Revolução Industrial o trabalho escravo não apenas era tolerado pelas mais variadas culturas – e religiões – ao redor do mundo, como era regulado e validado pelo Direito: o escravo era objeto do direito, passível de negociação (um escravo podia ser comprado e vendido), e não sujeito de direito, com aptidão para assumir direitos e obrigações.
Apenas após o surgimento das grandes indústrias é que a o trabalho livre e assalariado tornou-se relevante o suficiente a reclamar proteção estatal. Como anteriormente praticamente não existia tradição de trabalho livre, os primeiros trabalhadores assalariados do mundo industrializado foram submetidos a condições degradantes e exaustivas de trabalho: eram comuns jornadas de trabalho de mais de 16 horas por dia, era permitido o trabalho de crianças impúberes, não havia proteção contra acidentes e os salários eram ínfimos. Tal situação levou os trabalhadores a se agruparem, clamando coletivamente por melhores condições de trabalho, dando origem aos primeiros sindicatos e pressionando o Estado para regulamentar o trabalho, impondo limitações à sua exploração.
Foi neste contexto que surgiu o Direito do Trabalho, como resposta dos Estados aos conflitos entre empregados e empregadores, que muitas vezes eram reprimidos violentamente pela polícia, gerando morte de trabalhadores e inúmeras perdas aos empresários. Pode-se dizer, portanto, que o surgimento do Direito do Trabalho está diretamente relacionado ao fim da utilização da escravidão como mão de obra principal ao redor do mundo. No momento em que o trabalhador passa a ser um cidadão livre, o direito passa a intervir a fim de garantir-lhe condições dignas de trabalho.
A escravidão passou, então, a ser moralmente rechaçada em praticamente todo o mundo, bem como condenada pela maioria das religiões. A Declaração Universal dos Direitos Humanos consolidou o posicionamento jurídico, estabelecendo, em seu artigo 4º, que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”¹. Além disso, “a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório é um dos princípios fundamentais estabelecidos na Declaração da OIT [Organização Internacional do Trabalho] sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998”².
Não obstante, a própria OIT dá conta de que, mesmo nos dias de hoje, são alarmantes os números de pessoas submetidas a trabalho forçado e/ou a condições degradantes de trabalho que permitem equiparar sua situação ao trabalho escravo (jornadas exaustivas, limitação a alimentos e material de higiene e até mesmo restrição de locomoção).
No Brasil “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”³ é crime punível com reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Mas o combate ao trabalho escravo também reclama a participação do Direito do Trabalho, além do Direito Penal. Como se vê pelo tipo penal acima, a sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho, ainda que não fique evidente a restrição de sua locomoção, caracteriza o crime de sujeição de trabalhador a condição análoga à de escravo, de modo que a observância de cumprimento da legislação trabalhista, assim como das normas de medicina e segurança do trabalho, é essencial a fim de se aferir se as condições oferecidas ao trabalhador são dignas.
É intrínseca, portanto, a relação entre o Direito do Trabalho e o combate ao trabalho escravo, seja porque o primeiro surgiu em decorrência da substituição majoritária do segundo pelo trabalho livre assalariado, seja porque o Direito do Trabalho dita, modernamente, as condições mínimas de dignidade e salubridade que devem ser observadas a fim de não caracterizar formas exploratórias do labor humano.
Espera-se, porém, que num futuro breve não seja mais necessária a atuação de qualquer dos ramos do Direito a fim de coibir o trabalho escravo, e que o labor humano seja utilizado unicamente como forma salutar e digna de geração de riqueza.
¹http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html
²http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-
brasilia/documents/publication/wcms_227292.pdf
³Art. 149 do Código Penal – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.html
FONTE
* Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados