O recreio do professor não é tempo à disposição do empregador

A recente controvérsia acerca da natureza jurídica do recreio dos professores, especialmente no que tange à sua classificação como tempo à disposição da instituição de ensino, reacende o debate sobre a interpretação e aplicação do artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterado pela reforma trabalhista de 2017.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), mediante uma presunção absoluta, tem considerado os períodos de recreio como tempo à disposição do empregador, contrariando, porém, os princípios fundamentais da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes estabelecidos na Constituição.

A ADPF 1.058 aborda a controvérsia sobre a classificação do intervalo para recreio dos professores como tempo à disposição da instituição de ensino, baseando-se na interpretação e aplicação do artigo 4º da CLT, especialmente após as alterações introduzidas pela reforma trabalhista de 2017.

O TST havia consolidado um entendimento que estabelecia uma presunção absoluta de que esses intervalos configuravam tempo de serviço, demandando remuneração adicional por parte das instituições de ensino.

O ministro Gilmar Mendes concedeu uma medida cautelar, uma decisão provisória que visa a suspender os efeitos das interpretações e aplicações judiciais questionadas até que o STF possa analisar o mérito da questão de forma definitiva. Essa medida cautelar é um instrumento jurídico utilizado para prevenir danos irreparáveis ou de difícil reparação que poderiam ocorrer devido à continuidade de uma situação jurídica considerada potencialmente contrária à Constituição.

A concessão da cautelar pelo ministro Gilmar Mendes reflete a percepção de que a presunção absoluta adotada pelo TST, de considerar os intervalos para recreio dos professores como tempo à disposição do empregador, poderia gerar consequências negativas significativas para as instituições de ensino. Especificamente, essa interpretação poderia impor um passivo trabalhista oneroso às escolas, com efeitos potencialmente desastrosos para a viabilidade financeira, especialmente de instituições menores e mais vulneráveis.

Além disso, a decisão cautelar evidencia a preocupação com a observância dos princípios constitucionais, especialmente o da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes. Ao suspender temporariamente os efeitos das decisões judiciais baseadas na mencionada presunção, a cautelar visa a assegurar que não ocorram violações a tais princípios enquanto o Supremo não realiza um julgamento definitivo sobre a matéria.

Em resumo, a medida cautelar concedida pelo ministro Gilmar na ADPF visa a proteger as instituições de ensino de prejuízos financeiros imediatos e preservar a integridade dos princípios constitucionais até que o STF possa avaliar de maneira aprofundada a questão da contabilização dos intervalos de recreio como tempo de trabalho dos professores.

Extrapolação da competência do TST

Além disso, no voto do ministro Gilmar Mendes, destaca-se a crítica a essa interpretação do TST, sob a perspectiva dos princípios da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes. Mendes argumenta que a criação de uma presunção absoluta por parte do Judiciário, sem amparo expresso na legislação, constitui uma extrapolação das competências do TST, infringindo a reserva legislativa e comprometendo a clara distinção de funções entre os poderes do Estado.

Além disso, o ministro ressalta os potenciais impactos econômicos negativos dessa interpretação para as instituições de ensino, especialmente aquelas de menor porte, que poderiam enfrentar desafios financeiros significativos devido ao aumento do passivo trabalhista. Em síntese, o voto de Gilmar na ADPF apela para uma interpretação da legislação trabalhista que respeite os limites constitucionais da atuação judicial, promovendo uma análise equilibrada que considere tanto os direitos dos professores quanto a sustentabilidade operacional das instituições de ensino.

Ressalta-se que o voto do relator se posicionou contra o TST, que adotou uma interpretação que cria uma presunção absoluta de que o intervalo para recreio constitui tempo à disposição do empregador, demandando sua remuneração como tempo de trabalho efetivo. Tal entendimento desconsidera a necessidade de prova de efetiva disponibilidade do professor para atividades laborais durante esse período e esta abordagem conflita com o artigo 4º da CLT, conforme modificado pela Lei nº 13.467/2017, que define como tempo de serviço apenas os períodos em que o empregado estiver efetivamente à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens.

Outrossim, a interpretação expansiva adotada pelo TST impõe significativos encargos financeiros às instituições de ensino, afetando sua estrutura de custos e, por extensão, a viabilidade econômica de suas operações. Escolas e universidades, especialmente as de menor porte, encontram-se diante de um crescente passivo trabalhista, o qual pode comprometer sua sustentabilidade financeira e, consequentemente, a qualidade da educação oferecida.

A controvérsia em torno do recreio dos professores, classificado como tempo à disposição do empregador, reflete a necessidade urgente de revisitar e clarificar a aplicação do artigo 4º da CLT à luz da reforma trabalhista e dos princípios constitucionais. Somente uma abordagem equilibrada, que respeite os limites da legalidade e da separação dos poderes, enquanto considera as realidades econômicas das instituições de ensino, poderá assegurar um desfecho justo e sustentável para todas as partes envolvidas.

A busca por um ponto de equilíbrio, que reconheça as peculiaridades do trabalho docente sem impor ônus indevidos às partes envolvidas, emerge como o caminho mais prudente e justo.

Este artigo foi uma colaboração entre Jorge Matsumoto, sócio da área trabalhista, e José Eduardo Gibello Pastore, advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados.

Aliado: Bichara Advogados

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