O STF e o recreio dos professores 

Por Jorge Matsumoto

O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente proferiu uma decisão significativa na Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058, que traz à tona o debate sobre a jornada de trabalho dos professores e a conceituação de “tempo à disposição” do empregador, especificamente no que tange aos intervalos conhecidos como “recreio” ou “intervalo entre aulas”. Esta decisão, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, marca um momento importante na interpretação dos direitos trabalhistas dos professores e na aplicação de princípios constitucionais que regem a relação de trabalho.

A ADPF 1058 foi proposta pela Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (ABRAFI) contra um conjunto de decisões judiciais do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que criaram uma presunção absoluta de existência de tempo à disposição do empregador durante os intervalos de recreio dos professores, independentemente de prova de efetiva disponibilidade ou de efetivo trabalho. A ABRAFI argumentou que tal interpretação violava preceitos fundamentais da Constituição Federal, como os princípios da legalidade, da reserva legal, e da separação dos poderes.

O cerne da controvérsia girava em torno da aplicação do art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que define como tempo de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens. O TST havia interpretado que o intervalo de “recreio” entre aulas se enquadra nessa definição, configurando, portanto, como tempo de trabalho.

A decisão do STF, concedendo medida cautelar, suspende a aplicação da presunção absoluta adotada pelo TST e determina a suspensão do trâmite dos processos em que se discuta essa interpretação até que o STF decida definitivamente sobre a matéria. O Ministro Gilmar Mendes, em sua decisão, ressaltou que a jurisprudência do TST carece de base legal e infringe preceitos fundamentais de grande magnitude e relevância, como os princípios da legalidade, da livre iniciativa, e da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

A decisão destaca a importância da autonomia das partes na negociação coletiva, especialmente em temas que envolvem a jornada de trabalho e os intervalos de descanso, ressaltando que a CLT e a própria Constituição Federal valorizam as convenções e os acordos coletivos como instrumentos essenciais da relação trabalhista. Assim, a presunção absoluta imposta pelo TST acabava por interditar a própria possibilidade de negociação coletiva sobre a matéria, afetando negativamente a autonomia da vontade coletiva dos professores e das instituições de ensino.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058 tem impactos significativos para as instituições de ensino, principalmente no que tange à gestão da jornada de trabalho dos professores e à estruturação econômica e administrativa dessas organizações.

Estes impactos podem ser analisados sob várias perspectivas:

  1. Gestão da Jornada de Trabalho dos Professores: Com a suspensão da aplicação da presunção absoluta adotada pelo TST, as instituições de ensino ganham uma margem maior de flexibilidade para gerenciar os intervalos conhecidos como “recreio” sem a obrigação imediata de considerá-los como tempo à disposição do empregador. Isso permite uma reavaliação das práticas atuais e a possibilidade de ajustar a carga horária dos professores de maneira que se alinhe tanto com as necessidades pedagógicas quanto com a legislação trabalhista, sem a pressão de uma presunção legal inflexível.

 Em suma, a decisão do STF na ADPF 1058 abre um espaço importante para que as instituições de ensino revisitem e possivelmente reestruturem a forma como gerenciam a jornada de trabalho dos professores, equilibrando de maneira mais eficaz as necessidades pedagógicas, os direitos trabalhistas e a sustentabilidade financeira

Este julgamento pelo STF representa um marco na interpretação dos direitos dos professores e na aplicação dos princípios constitucionais ao direito do trabalho. Reflete um entendimento de que a regulação das relações de trabalho deve ser feita de maneira equilibrada, respeitando tanto os direitos dos trabalhadores quanto a autonomia das partes para negociar condições de trabalho que considerem justas. A decisão ainda aguarda julgamento de mérito pelo Plenário do STF, que deverá oferecer uma solução definitiva sobre a questão e potencialmente redefinir a forma como o tempo de trabalho dos professores é calculado e remunerado no Brasil.

Escritório Aliado: Bichara Advogados para Portal Contábeis

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