Os desafios do empreendedor brasileiro para captar recursos | Bichara Advogados para SpaceMoney

Por Tales de Moraes Moreno

“Empreendedorismo”, uma palavra que nunca esteve tão na moda como atualmente. Ao abrir o jornal ou ao assistir um programa de televisão, virou rotina, quase um dogma, ver alguém evocar a questão de que pessoas devem investir em negócios próprios, sempre utilizando como exemplos casos de sucesso, normalmente de empresas existentes e iniciadas no continente europeu ou nos Estados Unidos. 

O discurso é tentador: deixar um emprego cheio de regras, horários e hierarquia para viver em um ambiente descontraído e descolado, com a possibilidade de ser o dono do seu próprio negócio, correndo o risco, no final do dia, de enriquecer de uma maneira exponencial, quando comparado a uma carreira tradicional. De fato, essa iniciativa é louvável e nosso país precisa de pessoas com esse espírito empreendedor para se desenvolver. 

A imagem mostra um quadro de giz com uma lâmpada desenhada à esquerda, seguida de um sinal de =, seguido de um $.
Fonte: Startup Sorocaba, 2020

Ovo de Colombo

Façamos juntos uma pequena digressão: imaginemos que estamos em uma sala de reunião da matriz de uma grande empresa do setor de alimentos, em uma reunião com sua alta administração, quando o diretor de novos negócios pede a palavra, para apresentar o “Ovo de Colombo”. 

Ele explica com riqueza de detalhes se tratar de uma tecnologia disruptiva onde cada cidadão de alta renda passaria a ter máquina de café expresso em sua casa, podendo fazer um café com o mesmo padrão de qualidade que se pode degustar em uma padaria ou restaurante. É de se esperar que todos tenham sido céticos, descrentes ou até mesmo “caído em gargalhas”. 

Mas estamos falando de um produto que é realidade e um case de sucesso, um fenômeno em vendas global, que foi capaz de gourmetizar uma commodity como o café, possibilitando que o produto café passasse a ser comercializado pelo preço de aproximadamente R$ 400,00 o quilo (considerando que cada cápsula possui 6 gramas), enquanto um quilo de café de qualidade similar é comercializado a no máximo por R$ 10,00.

“Jaboticabas” jurídicas

Sim, todos estamos em busca de atingir o Olimpo, mas a realidade é que esse lugar está de fato restrito a um grupo muito seleto de empreendedores. Em regra, para desenvolver uma empresa que seja capaz de gerar lucros, é necessário superar inúmeras diversidades. Além de todos os obstáculos usuais para o empreendedor, no Brasil ainda é necessário superar diversas “jabuticabas” jurídicas e procedimentais (regras próprias que somente encontramos aqui), que são colocadas no caminho do sucesso dos espíritos empreendedores. 

Uma delas, que iremos abordar aqui com mais atenção, é a necessidade de captação de recursos por meio de endividamento e de prestação de garantias para viabilizar tais endividamentos. Após passar por toda a burocracia para a aprovação de cadastro perante as instituições financeiras, bem como pela necessidade de preenchimento de uma série de fichas cadastrais e envio de documentação, enfim o empreendedor chega à etapa de constituição de garantias. 

Essa é uma etapa crucial para a tomada de crédito, que determina a qualidade do  devedor (capacidade de pagar o empréstimo), a taxa que será aplicada pela instituição financeira vis a vis, a viabilidade e executabilidade da garantia apresentada e a efetiva possibilidade de se liquidar a garantia para pagamento da dívida em caso de default da tomadora do crédito.

Aval do cônjuge

Uma garantia tradicionalmente exigida pelas instituições financeiras é o aval dos sócios da tomadora do crédito (estamos tratando de empréstimo à pessoa jurídica), principalmente em razão de as sociedades recém criadas não possuírem histórico financeiro para ser analisado, nem ser possível se aferir a sua resiliência quanto ao desenvolvimento dos negócios, devido à sua prematuridade. O aval, de fato, se mostra como um instrumento eficaz uma vez que os sócios, por meio dessa garantia fidejussória, se responsabilizam pela dívida, colocando como garantia seu próprio patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação financeira assumida pela sociedade.

Assim, o aval seria um instrumento excelente, não fosse pela necessidade de prestação da outorga uxória, que se trata de uma obrigação contida no Código Civil*, segundo a qual, salvo para os cônjuges casados em regime de separação total, é necessária a expressa anuência do outro cônjuge para prestação dessa garantia.

É isso mesmo! Para que seja possível a contratação de uma simples linha de crédito direcionada a garantir o capital de giro de uma empresa, e pela qual a instituição financeira exija a prestação de aval, é necessário que os cônjuges assinem conjuntamente o endividamento! Ou seja, para que possa dar andamento ao seu empreendimento, o empreendedor tem de solicitar a assinatura de seu cônjuge, que muitas vezes não tem qualquer ligação com tal projeto e tampouco o apetite para risco encontrado nos espíritos empreendedores. 

Não fosse todas as dificuldades que empreendedor enfrenta, ainda precisa explicar a outorga uxória para seu cônjuge e convencê-lo a assinar um instrumento de dívida, trazendo um elemento conjugal para atividade empresária.

Credor “mete a colher”

Em uma análise inicial, o argumento utilizado pelo legislador brasileiro ao instituir a outorga uxória até parece coerente, qual seja: o cônjuge não atua como avalista, mas ele fica ciente e concorda que o patrimônio do casal eventualmente pode ser reduzido, caso o avalista seja obrigado a honrar com uma obrigação pecuniária não cumprida pelo devedor originário/a empresa.

Contudo, na prática, tal procedimento sempre se demonstra como um fator a mais que dificulta o empreendedorismo, demonstrando um descolamento entre a vontade do legislador e a dura realidade da rotina de uma empresa. Apesar de guardar coerência lógica, isso, na prática, faz com que o sócio tenha de envolver literalmente sua família no negócio, o que gera uma série de desconfianças, incertezas e questões de foro conjugal e íntimo que acabam sendo trazidos para a atividade empresária. 

É preciso que o legislador se debruce sobre a questão, na esteira dos princípios trazidos pela Lei da Liberdade Econômica, que visa facilitar e fomentar a atividade empresária. Caso contrário, continuaremos com a máxima em relação ao empreendedor brasileiro: “em briga de marido e mulher só o credor mete a colher”.

Fontes: SpaceMoney e Bichara Advogados