Os equívocos na interpretação da jornada do motorista profissional do transporte rodoviário de cargas

Loraine Matos Fernandes[1]

André Luís Xavier Machado

Desde 2012, com a edição da Lei n° 12.619, a jornada do motorista profissional, seja ele condutor de veículo de transporte de passageiros, seja de transporte rodoviário de cargas, foi drasticamente alterada.

Com efeito, a Lei em questão serviu como marco para definição benéfica tanto para empregado quanto para empregadores na medida em que definiu que é direito do motorista o controle da jornada por ele desenvolvida, transferindo-lhe também a responsabilidade pela correta anotação dos horários em papeletas ou diários de bordo.

Em tese, a insegurança que permeava o julgamento do pedido de condenação ao pagamento de horas extras tinha encontrado o seu fim; na prática, todavia, o que se viu foi a dificuldade do Judiciário em compreender a operação do transportador rodoviário de cargas e a atuação do motorista.

Ainda que exista expressa previsão legal estabelecendo que a jornada do motorista, salvo precedente convenção entre as partes, não tem horário fixo de início, de final ou de intervalos[2], os prepostos das empresas são atacados diariamente – cada vez de forma mais impaciente e agressiva – pelos juízes do trabalho para que indiquem os horários de início e término da jornada dos trabalhadores, sob pena de, não os podendo precisar (em vista do que consta na nota 1 abaixo), ser considerada a ocorrência de confissão ficta.

Não bastasse isso, é comum enfrentar alegações de que os horários lançados nas papeletas e/ou diários de bordo não correspondem à verdade em razão de determinação do empregador para que se proceda com sua alteração para que, suprimida parte da jornada, seja o direito do empregado de receber valores a título de horas extras seja frustrado.

Junto com essa argumentação vem a alegação de que esses mesmos trabalhadores empreendem jornadas sobre humanas que vão de 05:00h às 23:00h, sem intervalos para refeição e descanso, nem folgas semanais.

Afora as regras de distribuição do ônus da prova e as particularidades de cada caso, o que chama a atenção no julgamento do pedido de condenação em horas extras sem a observância da delimitação das horas destinadas à espera é a reiterada recalcitrância dos juízes em observar o que a CLT prescreve quanto a esse tema.

Com efeito, a CLT, no Capítulo IV-A de seu Título III (Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho), com a redação que lhe foi dada pelas Leis n°. 12.619/2012 e, posteriormente, 13.103/2015, estabelece as seguintes premissas – que permitem concluir que é equivocado o entendimento judicial de que são devidas horas extras pelo trabalho que deveria ser classificado como realizado em tempo de espera:

 

Com base nessas disposições, o período, durante a jornada, em que o trabalhador está apenas acompanhando o trabalho de terceiro (carga/descarga ou desembaraço alfandegário) não é considerado de trabalho efetivo – assim entendido aquele em que o empregado se encontra à disposição do empregador.

Como corolário, se não é considerado como trabalho efetivo, seja por dedução lógica, seja por expressa previsão no texto consolidado, não pode ser tampouco contabilizado como parte da jornada diária de trabalho – até porque se, ao final de duas horas, o trabalho do terceiro (carregamento ou descarregamento da carreta ou liberação de notas fiscais) não tiver sido finalizado, o motorista automaticamente passará a fruir intervalo – período esse tampouco considerado parte integrante da jornada.

Dito isso, confrontadas as marcações de tempo de espera nas papeletas/diários de bordo, bem se vê que é equivocado o entendimento judicial de que essas horas compõem a jornada de trabalho e que, por isso, devem ser contabilizadas para o deferimento do pedido de condenação do empregador ao pagamento de horas extras.

Como se viu, no máximo, essas horas devem ser indenizadas – isto é, sem repercussão em outras verbas contratuais, nem incidência de encargos sociais, previdenciários ou fiscais de qualquer sorte – pelo percentual de 30% do valor da hora normal – ao passo que a hora extraordinária é calculada pela soma do valor da hora normal e do adicional mínimo de 50%, produzindo reflexos em férias + 1/3, 13° salário, eventual aviso prévio e depósitos de FGTS.

E a condenação só deve prevalecer, ainda, se demonstradas diferenças pelo trabalhador.

Esse é o entendimento que deve prevalecer.

Nosso escritório segue com um recurso de revista admitido buscando o posicionamento da Corte Superior (TST) quanto à necessidade de reforma de acórdão regional que trilhou o raciocínio diametralmente oposto ao aqui esposado.

 

[1] Sócios do André Xavier, Machado e Fernandes Advogados.

[2] E isso por um motive bastante simples, para quem compreende a operação: o motorista carreteiro, em viagens de longa distância, não executará as mesmas atividades todos os dias. Nos dias de direção apenas, ele irá definir, com base em experiência própria, nas informações a respeito do fluxo de tráfego da via e da rede de apoio disponível no trajeto, o melhor horário para partir e chegar ao destino ou ao entreposto. Nos dias em que aguardará carga ou descarregamento da mercadoria transportada, irá depender dos horários de atendimento no embarcadouro ou no destinatário da carga, o que normalmente ocorre em horário comercial; logo, a jornada se inicia um pouco mais tarde do que a média de início de trabalho nos dias de direção.