Por Laura de Pelegrin Fogiato
Como é amplamente sabido, há aproximadamente três meses o Presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei do Contribuinte Legal (Lei no 13.988/2020), que regulamentou o fim do voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo dos Processos Fiscais – CARF, sendo considerado o tema da mais alta relevância para os contribuintes.
Isso porque, anterior a Lei do Contribuinte Legal, os recursos administrativos fiscais até então julgados pelo CARF, em virtude de empate das decisões, eram resolvidos pelo “voto de minerva” proferido pelo Presidente das turmas, cargo esse ocupado sempre por um membro representante da Fazenda Nacional.
Com a conversão da MP no 899 em Lei, o art. 28 da Lei 13.988/2020, previu que:
[…] em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9o do art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”.
Com efeito, permitir o tratamento mais favorável ao contribuinte no âmbito do CARF privilegia o artigo 112 do Código Tributário Nacional, o qual preconiza que em havendo incerteza quanto ao enquadramento legal da norma tributária que define infrações ou lhe comine penalidades, essa deve ser interpretada em prol dos contribuintes. Não temos dúvidas que, mesmo tal artigo refira apenas a “penalidade”, constitui-se como fundamento de validade para a alteração legislativa levada a efeito pela Lei no 13.988/2020 em relação ao voto de qualidade.
No entanto, o que era para ser considerado um grande avanço legislativo em favor da aplicação do vetusto dispositivo, que desde muito tempo previsto no citado artigo 112 do Código Tributário Nacional, com o intuito de delimitar o entendimento favorável aos contribuintes, o Ministério da Economia publicou a Portaria no 260/2020, cujo teor procurou interpretar o artigo 28 da Lei 13.988/2020 de modo restritivo e, a nosso ver, indevido.
De acordo com o documento, ficou determinado que o desfecho dos julgamentos, na hipótese de empate, será proclamado a favor dos contribuintes somente para os casos em que se tratar de determinação e exigência do crédito tributário, assim compreendido aqueles processos decorrentes de auto de infração ou de notificação de lançamento.
Tal entendimento, igualmente, determina que o respectivo artigo não se aplicaria quando da análise de preliminares ou questões prejudiciais que tenham conteúdo de mérito, tais como decadência ou ilegitimidade passiva do contribuinte, assim como na hipótese de embargos de declaração, aos quais são atribuídos efeitos infringentes. Isso porque, na prática, o resultado abrange “determinação e exigência do crédito tributário”, o que justificaria a interpretação posta na citada Portaria ministerial.
Ainda, segundo a portaria ora analisada, o tratamento de desempate favorável ao contribuinte será aplicado exclusivamente para os litígios julgados a partir de 14 de abril de 2020, data de publicação da Lei 13.988/2020 e, somente em benefício do contribuinte, não sendo aproveitado a eventual responsável que faça parte da lide tributária.
Neste ponto, importante referir que a citada Portaria determina que o voto de desempate em prol dos contribuintes não se aplica aos responsáveis tributários, ressalvado no caso de cancelamento do crédito tributário. Isso significa que, sendo desconstituído o crédito tributário, essa condição será aproveitada ao responsável. Todavia, havendo impasse acerca da sua responsabilidade e o resultado terminar em empate, o que vale é a regra antiga, ou seja, não aproveita ao responsável tributário.
Além disso, a Portaria 260/2020 restringe o mecanismo do desempate a favor dos contribuintes sobre matérias de natureza processual, conversão do julgamento em diligência, embargos de declaração e processos de competência do CARF, bem como de maneira implícita, impossibilita o alcance para matérias envolvendo compensação e ressarcimento de valores recolhidos a maior.
Em outras palavras, o ato administrativo utilizou-se literalmente do artigo 28 para delimitar sua aplicação apenas e tão-somente à “exigência do crédito tributário”, previsão, a nosso sentir, equivocada, pois, tratando-se de compensação, uma vez não homologada, por consequência, tem-se a exigência do respectivo crédito tributário, o que não afasta a aplicação do disposto na Lei no 13.988/2020.
A Portaria acabou sendo endossada pelo Ministro Paulo Guedes, justificando seu entendimento no Parecer SEI no 6898/2020/ME, da PGFN, cujo teor interpreta o alcance e aplicabilidade no tocante à proclamação de resultado do julgamento no âmbito do CARF. Ocorre, todavia, que o parecer ainda não foi disponibilizado pela PGFN, motivo pelo qual vem gerando intensa discussão em virtude do Princípio da Publicidade.
Em paralelo, diversas medidas estão sendo tomadas no sentido de que a OAB já publicou uma nota sustentando a ilegalidade da portaria e possíveis reflexos na litigiosidade. De maneira convergente, o Deputado Federal Marcelo Ramos apresentou projeto de decreto legislativo com o intuito de revogar a Portaria no 260/2020 do ME, sob o fundamento de que o ato normativo “exorbita em seu poder regulamentar e contraria a legislação aprovada pelo Congresso Nacional”.
Por conseguinte, o que se teme é que o impasse da Portaria ME no 260/2020 possa dar sobrevida ao voto de qualidade. É evidente que diante da atual crise decorrente da pandemia do Coronavírus, a qual está ocasionando abalos econômicos imensuráveis, mais uma vez os contribuintes estão diante de um cenário de grande insegurança jurídica, situação esta, que ao nosso juízo, deveria ser evitada pelo Poder Público.
Fonte: Lippert Advogados