O ministro Paulo Guedes tem deixado a cristalina a mensagem de que vai propor a redução da alíquota do Imposto de Renda – Pessoa Jurídica de 34% para 20% e passar a tributar a distribuição de lucros em percentual ainda não decidido (atualmente não há tributação sobre dividendos).
A justificativa para tal alteração seria aproximar a carga tributária sobre o imposto de renda da pessoa jurídica para os níveis cobrados em outros países, movimento sem dúvida elogiável, já que coloca o País em igualdade na briga por investimentos estrangeiros além de evitar, evidentemente, a fuga de capital produtivo. Em contrapartida, pretende-se tributar os dividendos em busca de uma melhor “justiça fiscal”, já que alcançaria de forma mais aceitável a propagada capacidade contributiva.
Desta forma haveria um descolamento da incidência da tributação sobre a produção para a renda passiva.
Na matemática simples, e se a combinação de alíquotas fosse suficiente para definir a manutenção de arrecadação em matéria tributária, poderíamos concluir que a tributação sobre lucros distribuídos deveria atingir o patamar próximo a 14% (20% da pessoa jurídica e 14% do investidor, somando-se os mesmos 34% cobrados atualmente). A premissa, entretanto, não se sustenta, pelos motivos que serão abordados a seguir, mas principalmente pelo fato de que o simples deslocamento de uma alíquota sobre uma base imponível para a outra (do lucro para os dividendos) pode não manter o mesmo potencial arrecadatório da sistemática anterior.
É bom que se diga: ninguém paga alíquota, mas, sim, imposto. E o imposto é identificado pela aplicação de alíquota sobre base de cálculo. Equivale dizer, primeiramente é importante definir sobre qual fato econômico o imposto será aplicado e após, em que proporção.
No campo da renda da pessoa jurídica, primeiro é preciso capturar a renda, quantificando essa realidade econômica. Só após é que se determina a parte destinada aos cofres públicos. É nesse momento que a alíquota pode ser estabelecida. Assim sendo, hipoteticamente, se a lei estabelece que 100 é renda, quando impõe alíquota de 20%, define que 20 desses 100 devem ser entregues pelo contribuinte ao Estado.
Ousamos, então, analisar, mesmo que se superficialmente, se é factível, sem comprometer a arrecadação, deslocar a tributação da renda/lucro para a da renda/distribuição de dividendos.
Parece-nos que não. E a análise não é sistêmica, mas tão somente baseada em números. Vejamos. No sítio da Receita Federal do Brasil, que contempla dados coletados até 2013, se dá conta de que o Brasil possuía pouco mais e 5 milhões de CNPJs. Deste universo, 3% dos contribuintes optaram por estabelecer a sua renda com base em dados efetivos, equivale dizer, aqueles determinados em balanço.
Os outros 97% optaram por tributar a renda partindo de critérios presumidos pela legislação, basicamente considerando renda um percentual fixo do seu faturamento (lucro presumido e simples).
Acontece que esses 3% que optaram por tributar a renda com base em dados efetivos (o balanço), representam nada mais nada menos do que 78% do volume arrecadado (considerando o IRPJ, CSL, PIS e Cofins – ressalte-se que percentual atualmente se mantém em níveis similares).
O curioso é a constatação de que as grandes empresas (leia-se as que respondem por 78% da arrecadação) não têm por perfil distribuir volume relevante de dividendos a seus acionistas.
Dados coletados pela BM&F com levantamento das 300 maiores empresas brasileiras estimam que nos últimos cinco anos as melhores pagadoras de dividendos distribuíram algo em torno de 9,59% do lucro (lembrando que do universo dessas 300 empresas, muitas delas sequer distribuem dividendos por apurarem prejuízo em suas demonstrações financeiras).
Se mantido o mesmo espectro de contribuintes que respondem pela significativa arrecadação do IRPJ e CSL, parece-nos evidente que a redução de alíquota do IRPJ deflagraria considerável perda de arrecadação, sempre partindo-se da premissa que a base de cálculo do imposto estaria inalterada.
E, na medida em que os dividendos costumam ser distribuídos tomando por base a média de 9,59% do lucro passível de distribuição, a alíquota a ser praticada para reequilibrar essa perda, seria de praticamente uma vez e meia o próprio lucro distribuído (quase 150%). Ou seja, algo completamente impraticável.
Conclusivamente, não nos parece possível manter a arrecadação apenas substituindo o momento da tributação do lucro, ou seja, da geração para sua efetiva distribuição.
O cobertor é curto, principalmente pelo fato de que quem efetivamente responde pela tributação do IRPJ no Brasil são as grandes empresas. Nem mesmo tributando-se a integralidade do lucro no momento da distribuição a arrecadação conseguirá ser recomposta. Equivale dizer, ao diminuir a alíquota do imposto de renda de 34% para 20%, qualquer tributação sobre dividendo será ineficiente.
Números são números. Felizmente!
Por Elisabeth Lewandowski Libertuci e Ricardo Lacaz Martins