No dia 26 de fevereiro de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados não possuem competência para instituir a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre doações ou bens objetos de heranças provenientes do exterior enquanto não houver lei complementar autorizando tal cobrança.
O entendimento foi firmado pelo STF no julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, mas, como o RE 851.108/SP possui repercussão geral, todos os estados da Federação ficam vedados de fazerem uso de sua competência legislativa plena para instituir o ITCMD sobre heranças e doações provenientes do exterior.
O leading case é relativo à cobrança de ITCMD sobre herança de um cidadão italiano que residia em seu país de origem, em favor de brasileira domiciliada em São Paulo. A doação testamentária incluía um bem imóvel localizado na Itália e uma quantia em moeda italiana.
A discussão tem origem no que dispõe o art. 24, §3° da Constituição Federal sobre a competência dos Estados e do Distrito Federa para legislar sobre direito tributário. Por meio dele, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados podem exercer a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades. Como o Congresso Nacional ainda não editou lei complementar de normas gerais que defina o ITCMD, alguns estados instituíram a cobrança do tributo com base na autorização concedida pelo art. 24, §3°. É o caso do Estado de São Paulo que editou a Lei Paulista n° 10.705, de 28 e dezembro de 2000.
Contudo, em outros precedentes nos quais foi analisada a validade da instituição de imposto por lei estadual na ausência de lei complementar, decidiu o STF que o art. 24, §3° não pode significar a desnecessidade de lei complementar necessária à equalização de conflitos de competência. Assim, a competência não poderia ser exercida pelos estados em relação à matéria tributária que compreendesse o inter-relacionamento de mais de um estado. No caso do ITCMD, o Ministro Relator Dias Toffoli – cujo voto foi seguido por todos os demais Ministros – entendeu que referido imposto pode constituir campo fértil ao surgimento de conflito horizontal de competências e que a solução desses conflitos pelo ordenamento, a priori, precisa de lei complementar.
Com base nessa premissa, decidiu-se que os temas i) da tributação dos não residentes em relação aos bens e direitos localizados no território brasileiro e ii) da regra de tributar a totalidade das transmissões efetuadas por transmitentes nele domiciliados, incluindo as de bens localizados no exterior, não podem ser tratados unilateralmente pelos estados e pelo Distrito Federal. O Relator também citou em seu voto o art. 155, §1°, III, b da Constituição Federal, que limita a competência dos estados para a instituição do ITCMD ao estabelecer que cabe a Lei Complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior”. O Relator conclui que a Constituição não concedeu aos Estados a competência para instituir o ITCMD nessa hipótese, e que os Estados que o fizeram incidiram em inconstitucionalidade formal por afronta a referido dispositivo constitucional.
Na definição dos efeitos da decisão, foi estabelecido que os estados não poderão mais cobrar este tipo de imposto nem contribuintes poderão pedir a restituição dos valores já pagos. Quem ingressou com ação judicial, contudo, ainda poderá ser ressarcido.
Para a nossa sócia Thaís Mendes, a modulação dos efeitos representa um aceno do STF aos estados, que teriam suas receitas fortemente impactadas caso a decisão fosse retroativa. “Considerando que 22 dos 27 estados da federação já editaram leis estaduais prevendo a cobrança do ITCMD nessas hipóteses, o STF parece ter optado por mitigar o prejuízo dos estados, os quais agora devem pressionar o Congresso Nacional para que seja editada lei complementar visando prevenir esse potencial conflito de competências”.
A íntegra das decisões e a ementa do julgamento podem ser acessadas aqui.
O Coimbra & Chaves encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria no que for necessário.
Fonte: Coimbra & Chaves Advogados