Por Luiz Gustavo Bichara e Bruna Athayde Taveira
Há um consenso de que é preciso reformar o sistema tributário nacional. Mas o consenso termina aí. Ao contrário da reforma da previdência que era, por assim dizer, plebiscitária (ou se era a favor ou contra), na reforma tributária há diversos vetores teóricos e práticos que geram preferências e preconceitos que, na prática, até hoje inviabilizaram o movimento. Malgrado essa constatação, parece que nunca se viu um panorama tão favorável à efetivação da pretendida reforma.
Como forma de remodelação do atual sistema, existem 3 principais propostas já em momento avançado de reforma tributária perante Congresso Nacional:
- PEC 45/2019 de autoria de Deputado Federal Baleia Rossi;
- PEC 110/2019 de autoria do Senador Davi Alcolumbre e;
- O projeto encampado pelo Ministério da Economia – o PL nº 3.887/19.
É importante desde já ter em mente que esses projetos cuidam de alterar a sistemática da tributação sobre o consumo. E até por isso, como é intuitivo, as propostas hoje em debate no Congresso Nacional atingem diretamente o setor de serviços. Em linhas gerais, todas as propostas preveem a simplificação da tributação por meio da unificação de tributos, e o fim da tributação diferenciada para mercadorias e serviços.
É inequívoco que a unificação dos tributos simplificará o sistema, mas não se pode deixar de constatar que o efeito contrário será o aumento da carga tributária para alguns setores específicos. Assim, há um suposto ganho prático consubstanciado em menor tempo dispendido no cumprimento das obrigações tributárias, em contrapartida, todavia, de um inescondível aumento de carga.
Para a advocacia esse impacto tende a ser particularmente severo. Atualmente, a grande maioria das sociedades optam pelo Simples Nacional ou seguem, para o Imposto de Renda, a modalidade de Lucro presumido.
No caso das sociedades de advogados optantes pelo Simples Nacional (80% dos escritórios registrados no país), estão sujeitos à alíquota única entre 6% a 33%, a depender do faturamento do escritório, com a possibilidade de crédito pelo adquirente dos serviços pelo valor cheio do tributo.
Já as sociedades optantes pela modalidade do Lucro Presumido recolhem IRPJ, CSLL, Contribuição Previdenciária, PIS/COFINS e ISS. Para esses escritórios haverá um súbito aumento de tributação. Na teoria, esse acréscimo será neutralizado com a possibilidade de crédito amplo sobre despesas inerentes a atividade. A premissa é otimista, mas necessita de um choque de realidade: o exercício da advocacia ocorre majoritariamente por meio do esforço intelectual dos profissionais, praticamente não havendo insumos que possibilitem a apuração de créditos que façam frente à um aumento significativo de alíquota.
De outro lado, ao analisarmos o impacto das propostas para os optantes do Simples Nacional, percebemos que não trarão mudanças na forma de apuração. No entanto, a possibilidade de crédito para o adquirente do serviço de advocacia ficará restrito.
No caso do PL nº 3.887/20, o adquirente do serviço do optante pelo Simples Nacional poderá creditar-se apenas do percentual do CBS incluído na alíquota única e não do crédito cheio de 12% (como é hoje no caso do PIS/COFINS). Nas propostas do IBS o mesmo tende a ocorrer.
A partir dessa restrição ao crédito para os adquirentes, pode ser o caso de algumas empresas optarem por contratar serviços advocatícios das sociedades que atuam sob a modalidade do Lucro Presumido, diante da maior possibilidade de crédito. Pode ser potencialmente mais barato contratar um escritório do Lucro Presumido do que do Simples Nacional, o que parece um contrassenso e demonstra como distinções devem ser feitas para os serviços, aqui em específico o exercício da advocacia.
Ainda segundo a proposta do Governo, a alíquota de PIS/COFINS subirá de 3,65% para 12% por meio da CBS. De modo a mitigar o impacto negativo, a OAB propõe ainda que a alíquota aumente progressivamente 1,5% ao ano, chegando a 12% apenas em 2026. O objetivo é atenuar o impacto da brusca mudança na tributação, não obstante a OAB reconhecer que haverá um inegável aumento de carga para os profissionais liberais.
Em razão dos prováveis impactos econômicos, após a apresentação do PL nº 3.887, o Conselho Federal da OAB propôs alteração de alguns pontos, sendo eles:
- a necessidade de esclarecer a possibilidade de crédito financeiro;
- exclusão das perdas com inadimplência da base de cálculo do novo tributo;
- a necessidade de repasse compulsório do tributo ao adquirente;
- o estabelecimento de prazo de ressarcimento do crédito acumulado;
- o aumento escalonado da alíquota da nova contribuição para profissionais liberais até 2026.
É importante destacar que independente de qual seja o serviço prestado, um aumento drástico e considerável no valor do serviço que a ser potencialmente repassado ao cliente no futuro impacta diretamente a demanda.
Também vale uma apreciação cuidadosa da premissa – posta como absoluta – de que os efeitos das propostas de reforma seriam totalmente neutros, sob o argumento que o ônus do novo tributo seria suportado pelo consumidor final dos bens e serviços. É evidente que nem todos os setores possuem elasticidade suficiente para transferir o seu respectivo encargo para o consumidor final. Essa é uma premissa econômica inelutável. Como afirmava Napoleão Bonaparte “eu tenho um amo implacável: a natureza das coisas”.
Em um momento de aguda crise econômica, soa ingênuo imaginar que o aumento do preço dos serviços será neutralizado ante a um pleno repasse desse custo ao consumidor final.
Portanto, podemos e devemos prosseguir no debate sobre a reforma tributária, mas é preciso que as premissas estejam postas às claras. A Sociedade e os atores afetados pela modificação estrutural que se avizinha devem estar alerta para os efeitos econômicos das propostas, até para que possam sobre ela corretamente opinar.
Fonte: Análise Editorial e Bichara Advogados