A efetividade no processo de execução e os sistemas de pesquisas patrimoniais |Lippert Advogados

A informação é a chave para a efetividade no processo de execução. Afinal, a identificação de bens passíveis de penhora é fundamental para que se obtenha êxito na satisfação do crédito. Entretanto, a atividade de obtenção de dados pode se tornar uma tarefa árdua, especialmente em relação a devedores contumazes.

No momento prévio ao ajuizamento da ação ou do pedido de cumprimento de sentença, a obtenção de informações a respeito do acervo patrimonial do devedor garante celeridade no trâmite processual e a efetividade da execução, assegurada pela averbação premonitória, pela averbação de hipoteca judiciária ou pelo requerimento de medidas cautelares diversas.

Imagem relacionada

Entretanto, o fato de ainda estar em fase de implantação o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, que unificará a pesquisa de bens imóveis, e por haver resistência de alguns departamentos de trânsito em fornecer informações diretamente ao interessado sem ordem judicial, a tarefa de localizar bens passíveis de penhora torna-se uma atividade laboriosa, especialmente complexa nas hipóteses em que o devedor se utiliza de estratégias de ocultação patrimonial.

Eis que desponta a importância dos sistemas de pesquisas patrimoniais resultantes de convênios celebrados pelo Conselho Nacional de Justiça: o Bacenjud, o Renajud, o Infojud e o CCS- Bacen.

O atual entendimento, firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que o uso do Bacenjud, do Renajud, do Infojud prescinde do exaurimento das diligências extrajudiciais ao alcance do credor, além de garantir a celeridade, a economia processual e a efetividade da execução, representa importante manifestação do princípio colaborativo, insculpido no artigo 6º do Código de Processo Civil. Afinal, se essas importantes ferramentas estão à disposição do Poder Judiciário, não faz sentido impor, ao exequente, a obrigação de realizar diligências onerosas que, por vezes, não apresentam resultado prático, que não o de demonstrar o exaurimento das providências extrajudiciais.

Cientes do seu dever de cooperação enquanto sujeitos do processo, alguns Juízos têm deferido pedidos sucessivos formulados em petição única, determinando, primeiramente, a realização da consulta ao Bacenjud, procedendo-se incontinenti à realização de consulta ao sistema Renajud, quando inexitoso o bloqueio de ativos e aplicações financeiras, e ao Infojud, quando não localizados veículos. Tal procedimento beneficia não só o credor, como a própria serventia, pois racionaliza o trâmite processual ao autorizar, de uma única vez, a realização das consultas aos sistemas, de forma sequencial.

Em que pese o Bacenjud seja a mais célebre dessas ferramentas, o seu grau de efetividade tem sido objeto de preocupação. Conforme relatório gerencial dos meses de janeiro a agosto de 2018, apresentado no “I Seminário Bacenjud 2.0”, 80,02% das ordens de bloqueio foram frustradas por ausência de valores, enquanto apenas 5,72% conseguiram o bloqueio integral do débito. A despeito disso, de janeiro a novembro de 2018, cerca de 47,878 bilhões de reais haviam sido bloqueados pelo sistema, um incremento de cerca de 29% em relação ao ano anterior.

Esse incremento na efetividade é atribuído ao aprimoramento das funcionalidades do sistema, que até então era limitado a rastrear valores mantidos em contas correntes e poupanças em instituições financeiras tradicionais ou cooperativas de crédito, e passou a abranger também ativos
de renda fixa e variável, mediante a inclusão de novos integrantes do Sistema Financeiro Nacional ao convênio, possibilitando o bloqueio de ações, debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, Letras de Crédito Imobiliário, Letras de Crédito do Agronegócio, Certificados de Operações Estruturadas, Certificado de Depósito Bancário, Títulos públicos e Cotas de Fundos, dentre outros.

A forma com que é requerida e realizada a consulta ao sistema também pode ser determinante para que se obtenha êxito na penhora. Por exemplo, a inserção da ordem de bloqueio pode ser realizada com a inclusão do CNPJ raiz, consistente nos seus oitos primeiros dígitos, o que faz com que o Bacenjud percorra todas as contas do grupo (matriz e filiais), incrementando consideravelmente a efetividade da medida.

O sistema permite, também, a consulta a extratos de contas correntes, poupanças, contas de investimentos e outros ativos financeiros, possibilitando a análise das transações em determinado período de tempo, expondo créditos, débitos, origem e destino das aplicações e uma série de dados que podem ser úteis à identificação de atos praticados com a finalidade de ocultação de ativos.

Por fim, um alerta dado pelo magistrado Marcos Vinicius Barroso no “I Seminário Bacenjud 2.0”, diz respeito à nova funcionalidade de bloqueios de ativos: ficou convencionado que, nas ocasiões em que o bloqueio é realizado junto a instituição financeira regulada pela CVM, e o ativo que a instituição detiver não puder ser liquidado para apresentar valor expresso imediato (ativos ilíquidos como ações de companhia fechada, derivativos, COE, alguns tipos de fundos abertos e fundos fechados), o resultado demonstrado no relatório do sistema será de R$ 0,01 (um centavo). Nesses casos, a instituição enviará um ofício ao magistrado (em meio físico), informando que não há a possibilidade de liquidação imediata, mas que o ativo está integralmente bloqueado e à disposição do Juízo. Entretanto, o desconhecimento deste procedimento tem levado magistrados a ordenar o
desbloqueio, por considerar o valor irrisório, equivocadamente.

Portanto, a atenção na hora de formalizar o pedido de bloqueio e de analisar os resultados é fundamental para que se utilize a ferramenta com o máximo de sua funcionalidade.

Outra importante ferramenta que permite a consulta de bens e a efetivação de penhora é o Renajud. Trata-se de sistema on-line de consulta e restrição de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça, que interliga o Poder Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito. Por meio dele, viabiliza-se a localização de veículos automotores e a imediata averbação da restrição judicial, possibilitando a penhora célere e efetiva.

Em que pese esta ferramenta represente importante medida de cooperação entre os sujeitos do processo, em alguns Estados em que é possível a realização de consulta junto ao Departamento Estadual de Trânsito, há magistrados que indeferem o pedido por não terem sido esgotadas as
diligências extrajudiciais ao alcance do exequente. Entretanto, tal entendimento não deve prevalecer frente à atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e ao dever dos Tribunais de manter sua
jurisprudência íntegra, estável e coerente, insculpido no artigo 926 do Código de Processo Civil.

Já o convênio celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça e a Receita Federal possibilita o acesso às declarações de imposto de renda dos devedores, pelo sistema Infojud. Por se tratar de medida que implica na quebra do sigilo fiscal do executado, recomenda-se que o pedido seja formulado somente após inexitosas as tentativas de penhora pelos sistemas BacenJud e Renajud, menos invasivos.

A análise das declarações de renda do devedor permite a identificação de bens imóveis, participações societárias e outros bens e direitos que tenham sido declarados, além de possibilitar a análise da sua evolução (ou involução) patrimonial ao longo dos últimos anos. Ainda, na consulta ao
Infojud é possível identificar a existência de planos de previdência privada (PGBL/VGBL), que não são abrangidos pelo sistema Bacenjud, pois a SUSEP não integra o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Todavia, em se tratando de devedores contumazes, é comum que haja patrimônio oculto, que, por óbvio não é declarado à Receita Federal. Para estes casos, a consulta ao sistema CCS-Bacen representa um importante avanço em termos de pesquisa patrimonial.

O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CSS-Bacen) é um sistema informatizado que revela onde os clientes de instituições financeiras mantêm contas de depósitos à vista, depósitos de poupança, depósitos a prazo e outros bens, direitos e valores, diretamente ou por intermédio de seus representantes legais e procuradores.

O resultado da consulta demonstra a lista de relacionamentos da pessoa (física ou jurídica) junto a instituições financeiras. O detalhamento da consulta, que é fornecido pelas instituições financeiras após a solicitação do juízo, é capaz de revelar holdings familiares, grupos econômicos empresários e empresas criadas em nome de “laranjas” (em que o verdadeiro titular não aparece no contrato social, mas aparece como procurador junto à instituição financeira).

A resposta da consulta compreende também as corretoras e distribuidoras de títulos mobiliários, obtendo-se informações tanto do escriturador ou registrador da operação regulada pelo CVM, como também pelo liquidante e o custodiante do ativo financeiro.

Por se tratar de uma ferramenta relativamente nova, a sua utilização no juízo cível ainda é muito incipiente, apesar de ser amplamente utilizada na justiça do trabalho e no âmbito criminal. A despeito de haver ainda certa resistência em sua utilização no âmbito do processo civil – talvez até mesmo por desconhecimento de sua funcionalidade –, pode-se dizer que há uma mudança gradual na jurisprudência, com a adoção de uma postura mais ativa do Poder Judiciário na localização e constrição de bens, em atenção à necessária garantia da efetividade do processo executivo.

Atualmente, há certa divergência jurisprudencial em relação à utilização do sistema CCS- Bacen no processo de execução cível. Alguns julgadores têm sustentado a interpretação de que o sistema deve ser utilizado somente no âmbito da persecução penal. Todavia, este entendimento está equivocado, visto que a utilização da ferramenta não se dá somente no interesse do credor, mas representa uma forma efetiva de possibilitar a constrição de bens no interesse da Justiça, como instrumento necessário para o Estado cumprir o seu dever de prestar jurisdição.

Afinal, o devedor que incorre nas hipóteses elencadas nos incisos do artigo 774 do Código de Processo Civil pratica ato atentatório à dignidade da Justiça, devendo o Poder Judiciário coibir tal conduta, outorgando ao exequente pleno acesso a toda e qualquer ferramenta vocacionada a revelar o patrimônio oculto do devedor e garantir a satisfação do crédito exequendo.

Portanto, nas hipóteses em que frustradas as tentativas de penhora pelos sistemas Bacenjud e Renajud, e que já houver sido quebrado o sigilo fiscal do devedor mediante consulta ao Infojud, sem êxito na localização de bens, não há justificativa legal para que não seja franqueado acesso ao sistema CCS-Bacen, possibilitando a obtenção de todas as informações de relacionamentos do devedor, viabilizando a identificação de patrimônio oculto.

Nessa linha, os Tribunais têm deferido a realização de consulta ao CCS-Bacen nas hipóteses em que o devedor não indicou bens à penhora, e não houve êxito na localização de bens penhoráveis em consulta aos sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud. Há decisões nesse sentido nos Tribunais de
Justiça do Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Pernambuco, o que demonstra que o Poder Judiciário está ciente de seu dever de cooperação enquanto sujeito do processo, prestando jurisdição de forma eficiente para que se obtenha, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, outorgando plena eficácia às normas fundamentais do processo civil insculpidas nos artigos 4º e 6º do Código de Processo Civil.

Portanto, com a ampliação das funcionalidades dos sistemas de pesquisas patrimoniais, e com a sua utilização, de forma eficiente, pelo Poder Judiciário e pelas partes, no interesse da Justiça, a identificação de patrimônio dos devedores no curso do processo é facilitada, incrementando-se a efetividade do processo de execução.

Por Lucas Pahl Schaan Nuñez

Fonte: Lippert Advogados