Por Dhiego de Paula Sales
Em meados de 16 de outubro de 2019 foi publicada a Medida Provisória nº 899 – conhecida como a “MP do Contribuinte Legal” – que acabou por regulamentar o instituto da transação tributária, uma das modalidades extintivas do crédito tributário, prevista no Código Tributário Nacional, mais precisamente em seu art. 171.
Não demorou muito para que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional publicasse uma Portaria (de nº 11.956, de 27 de novembro de 2019) criando diretrizes ao instituto da transação resolutiva de litígio no âmbito da cobrança da dívida ativa da União.
Sob um ponto de vista genérico, tais medidas buscaram definir que a União, em juízo de conveniência e oportunidade, poderá celebrar a transação tributária em quaisquer das modalidades previstas no veículo normativo, desde que motivadamente entenda que tal medida atenda aos interesses públicos.
Nesta linha, estando a dívida dentro dos critérios exigidos para aplicação da transação tributária, foram concebidas três modalidades para a sua “propositura”: a) por proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; b) por adesão nos casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e c) por adesão no contencioso administrativo de baixo valor.
Tão logo tenham sido apresentadas tais modalidades, o Ministério da Economia, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, publicou o Edital nº 1/2019, que definiu os critérios de elegibilidade para os contribuintes cujas dívidas fossem passíveis de propostas para transação no contencioso tributário. A saber, neste instrumento foram concedidos descontos progressivos e proporcionais ao número de parcelas caso um contribuinte enquadrasse nos requisitos ali expressos.
Com prazo limite para adesão originalmente em 28 de fevereiro de 2020, ainda houve uma prorrogação para até 25 de março, não obstante estima-se ter ocorrido um baixo nível de adesão, já que o desconto mais atrativo estava atrelado ao pagamento à vista pelo contribuinte de suas dívidas (quando obteria até 70% de descontos), ao passo que se optasse pelo parcelamento na maior quantidade de parcelas admitidas tal desconto reduziria drasticamente (a míseros 10%).
Ainda assim, fato é que em 14 de abril de 2020 foi sancionada a Lei nº 13.988, resultado da conversão da MP nº 899/2019 – daí ser intitulada de “Lei do Contribuinte Legal” –, que carrega em si o objetivo de captar recursos por meio da regularização de débitos fiscais e paralelamente reduzir os conflitos judiciais entre contribuintes e a União. Ao mesmo tempo, a PGFN tratou de publicar três novas medidas, sendo elas: a Portaria PGFN nº 9.917, de 14/04/2020, que regulamentou a transação na cobrança da dívida ativa da União, a Portaria PGFN nº 9.924, de 14/04/2020, que estabeleceu as condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União, em função dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19), e, por último, o Edital nº 3/2020, de 15/04/2020, que prorrogou o prazo de adesão às modalidades de transação do Edital nº 1/2019.
A relevância da Portaria nº 9.917/2020
Nesta ocasião, atenção especial merece a Portaria PGFN nº 9.917/2020, que trouxe, além da possibilidade de adesão a edital, a oportunidade para as transações individuais, quando tanto a Fazenda como os contribuintes poderão apresentar proposta para negociação.
A esse respeito, dita o art. 32 da referida Portaria que a transação individual proposta pela PGFN poderá ser oferecida única e exclusivamente para os casos de: a) devedores cujo valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa da União supere o montante de R$15 milhões; b) devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial; c) Estados, DF e Municípios e respectivas entidades de direito público da administração indireta; e d) débitos cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$1 milhão e que estejam suspensos por decisão judicial ou garantidos por penhora, carta de fiança ou seguro garantia.
Sob essa perspectiva, a transação individual proposta pelo contribuinte estará igualmente restrita aos devedores descritos anteriormente (art. 32), hipótese em que poderão apresentar um plano de recuperação fiscal com a descrição dos meios para a extinção dos créditos inscritos em dívida ativa da União, nos moldes exigidos pelo art. 36 e seus incisos. Atendendo a todos os requisitos descritos nos incisos/parágrafos correspondentes, deverá o contribuinte apresentar sua proposta de transação individual na unidade da PGFN de seu domicílio fiscal quando, após a verificação e validação dos documentos apresentados, bem como do histórico fiscal do devedor, poderão ser convocadas reuniões entre o Procurador-Regional, Procurador-Chefe da Dívida Ativa, Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional, e o administrador, representante legal e/ou seu procurador da pessoa jurídica requerente para fins de melhor deliberação objetivando a celebração do termo da transação individual.
Cientes das modalidades de transação é necessário dizer que dentre as medidas utilizadas para as concessões, a referida Portaria abre portas para, utilizando-se do instituto da transação: a) oferecer descontos aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação; b) consolidar parcelamentos; c) possibilitar o diferimento ou moratória; d) flexibilizar as regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e) flexibilizar as regras para constrição ou alienação de bens; e f) permitir a utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado, ou de precatórios federais próprios ou de terceiros, para fins de amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado.
A par de tais possibilidades, importante destacar algumas vedações/limitações às transações impostas pela Portaria como, por exemplo, aplicar qualquer redução sobre o montante principal do crédito, ou conceder desconto superior a 50% (cinquenta por cento) do valor total dos créditos a serem transacionados, ou acordar parcelamento para quitação superior a 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais – além de outras expressas nos incisos do art. 14 –, que acabam por representar um certo conservadorismo da PGFN, evidentemente, vinculado à proteção do interesse público.
De mais a mais, a Portaria explicita também que na hipótese da transação por adesão não é admitida a transação apenas de parte das inscrições elegíveis do sujeito passivo, devendo abranger a totalidade das inscrições; (…) e, ainda, impede que um devedor que tenha uma transação rescindida, formalize uma nova transação em prazo inferior a 2 (dois) anos, mesmo que relativa a débitos distintos.
Neste sentido, ainda que em linhas gerais, fica evidente a importância da publicação da legislação e dos atos normativos expedidos, uma vez que trataram de regulamentar a transação tributária prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional para os casos de cobrança da dívida ativa da União e do contencioso tributário. É fato que ainda há diversos espaços a serem trilhados dentro da legislação tributária, como por exemplo a necessidade de regulamentação do instrumento de compensação como forma de extinção do crédito tributário; no entanto, há de se reconhecer que a implementação da Lei nº 13.988/20 com as consequentes Portarias da PGFN trata-se de uma novidade digna de comemoração.
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