O COVID-19 e seus reflexos nas medidas cautelares diversas da prisão | Romano Donadel

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Por Pedro Paulo de Andrade Naves

Incertos, estranhos e difíceis foram alguns dos adjetivos utilizados publicamente nos últimos tempos pelo ministro Marco Aurélio de Mello, ao vaticinar sobre temáticas dos mais variados matizes que afligem nosso tempo, não havendo momento mais propício para que o alegado se fizesse claro para todos.

É de conhecimento geral que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou pandemia do novo vírus chamado Sars-Cov-2 (Coronavírus), causador da doença Covid-19. Alertam os especialistas, ser o ambiente prisional propício para a proliferação do vírus, salientando a vulnerabilidade da população prisional (estado de coisas inconstitucional).

Dizem que a China, ao enviar máscaras para a Itália, teria escrito nas caixas um trecho de um antigo poema romano, “somos ondas do mesmo mar”, e antes, de semelhante modo, o Japão, ao doar suprimentos para a China, teria escrito um trecho de um poema chinês, “nós temos diferentes montanhas e rios, mas dividimos o mesmo sol, lua e céu”, o que talvez para os mais românticos inspire o tom do necessário exercício de alteridade que o momento requer.

A preferir, há também motivos mais egocêntricos para nos alertar sobre a aludida situação, pois, a proliferação do vírus no ambiente prisional tem o potencial de ultrapassar as barreiras das grades, sendo sabido que o isolamento dos custodiados do mundo exterior é inviável e gerou um caos ainda maior onde foi feito.

DA RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Sensível à situação, o Conselho Nacional de Justiça publicou recomendação de medidas a serem adotadas com o intuito de diminuir o fluxo de ingresso no sistema prisional, e consequentemente combater a propagação do vírus Sars-Cov-2.

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Fonte: JusBrasil, 2018

Como fundamento, é de se destacar que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva, sendo latente que um cenário de contaminação em grandes proporções nos estabelecimentos prisionais certamente produzirá impactos terríveis para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos do cárcere.

As recomendações se destinam, em síntese: (a) aos juízes das varas da infância e da juventude sobre a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão de decisões que determinaram a internação provisória de determinadas classes de adolescentes (zona de risco); (b) aos magistrados das varas criminais para reavaliação das prisões provisórias de determinadas classes de pessoas presas (zona de risco); (c) aos magistrados da execução penal sobre a aplicação de medidas que impliquem em progressão de regime, concessão de prisão domiciliar e suspensão do dever de apresentação regular em juízo; e (d) aos magistrados com competência cível sobre a colocação em prisão domiciliar daqueles presos por dívida alimentícia; (e) bem como medidas relacionadas à suspensão de audiências e outros atos processuais não reputados urgentes.

DO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL NA ADPF 347/DF

Nos autos da APDF 347/DF, após pedido do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o precitado ministro Marco Aurélio de Mello, relator da espécie, de ofício, e de maneira atípica, “conclamou” os Juízes da Execução a analisarem a possibilidade da adoção de uma série de medidas relacionadas à população carcerária, decisão que aguardava referendo pelo Tribunal Pleno.

Embora a amplitude da decisão tenha causado dúvidas entre os estudiosos do direito, as providências sugeridas diziam respeito a concessão de liberdade condicional a condenados em idade igual ou superior a 60 anos, prisão domiciliar e progressão de pena a determinadas classes de encarcerados ainda que fora das condições legais usuais.

O REFLEXO DA PANDEMIA ENTRE OS DIVERSOS ATORES PROCESSUAIS

Dentre outros, o juiz Alfredo Santos Couto, da 13ª Vara Criminal de Salvador, fez menção à pandemia em decisão que, em crime de roubo, substituiu a prisão preventiva por medidas cautelares diversas, fazendo expressa ponderação entre o cabimento do mandado prisional e questões de natureza unicamente humanitária.

Já a Defensoria Pública do Ceará impetrou Habeas Corpus coletivo, solicitando o relaxamento da prisão de todos os indivíduos que estejam no grupo de risco para a infecção do Covid-19.

A gravidade da situação é escancarada a medida em que o próprio Ministério Público passa a se posicionar favoravelmente à prisão domiciliar em detrimento da prisão preventiva, o que já pode ser observado ainda que em tão curto espaço de tempo.

O empenho mútuo das instituições em praticar, ao menos momentaneamente, uma política de desencarceramento revela o rigor que a situação exige, pois, para além de se tratar de necessária atenção com a população carcerária, a verdade é que as medidas tomadas também visam nossa própria sobrevivência.

A DECISÃO DO PLENÁRIO DO STF NO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA NA APDF 347/DF

Reunidos na sessão da última quarta-feira (18/03), os ministros divergiram da decisão liminar proferida pelo ministro relator Marco Aurélio de Mello no tocante à atípica conclamação dos juízes da execução, entendendo que seria devido ao judiciário seguir as disposições emitidas pelo Conselho Nacional de Justiça na Recomendação nº 62/2020, de modo que as situações deverão ser analisadas conforme o caso concreto.

CONCLUSÃO

Conforme se tentou demonstrar ao longo desse breve artigo, estamos inseridos no meio de uma situação de extrema gravidade, que está a exigir de todos, além de sacrifícios pessoais, uma releitura das atitudes, posicionamentos e filosofias profissionais.

A Recomendação nº 62/2020 emitida pelo Conselho Nacional de Justiça demonstra a mudança de ares que passa a acontecer no direito penal e processual penal, de modo que as medidas cautelares diversas da prisão passam a preponderar sobre a prisão cautelar.

Aliás, o momento de crise talvez tenha servido para trazer o direito processual para os seus devidos eixos, já que, sob uma leitura constitucional, a prisão sempre foi a exceção. Por motivo da nossa própria sobrevivência, a cultura do encarceramento, que não possui fundamento para subsistir no nosso ordenamento jurídico, começa, finalmente, a perecer.

FONTE

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