A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou, por unanimidade, a aplicação da multa de 100% sobre o valor comercial de mercadorias importadas, em caso em que se discutia o subfaturamento de operações de importação. O STJ manteve, assim, a decisão proferida pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A decisão é de 04/08 e a discussão da matéria é inédita na Corte Superior, sinalizando entendimento positivo aos contribuintes.
No caso concreto, a Autoridade Fiscal constatou que houve subfaturamento do valor aduaneiro em mais de cento e trinta e três declarações de importação (DIs) registradas pela empresa entre os anos de 2004 e 2008. Por isso, foi instaurada execução fiscal referente ao Imposto de Importação (II), ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), à Contribuição ao PIS/Pasep-importação e à Cofins-importação.
Diante da autuação fiscal, a empresa não conseguiu comprovar que a redução do valor das mercadorias, que em alguns casos chegava a 50%, era resultado de negociações e descontos comerciais concedidos pelos fornecedores. Todavia, ainda que assim fosse, as reduções e descontos não constavam nas faturas comerciais, o que constitui violação do inc. XI do art. 497 do Regulamento Aduaneiro de 2009.
Apuradas as infrações, a Fiscalização exigiu do contribuinte o pagamento dos tributos sonegados e impôs três multas distintas. A multa de 100% do valor aduaneiro da mercadoria foi imposta em razão da entrada irregular da mercadoria no território nacional, mas foi cancelada posteriormente pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Em seguida, foi aplicada a multa de 100% sobre o valor comercial da mercadoria, cuja previsão se encontra no art. 83, inc. I, da Lei 4.502/64.
O referido dispositivo prescreve a imposição dessa sanção àqueles que disponibilizarem para consumo ou que consumirem mercadoria estrangeira introduzida no Brasil de forma clandestina ou que tenha sido importada de modo irregular ou fraudulento. Não obstante, a Receita também impôs a multa qualificada de 150%, prevista no art. 44, inc. I e §1º, da Lei 9.430/96, em razão de ter entendido que houve ocorrência de fraude na importação praticada com subfaturamento.
A multa de 100% do valor da mercadoria busca substituir a pena de perdimento, nos casos em que a importação fraudulenta é identificada e a mercadoria já foi consumida ou disponibilizada para consumo, estando, portanto, indisponível. É este, cabe destacar, o entendimento pacífico no TRF4.
Por outro giro, essa multa não se aplica às situações em que a declaração apresenta valores falsos, pois, nesses casos, deve ser aplicada, por força do princípio da especialidade, a determinação do parágrafo único do art. 108 do Decreto-Lei 37/66, que prevê a multa de 50% da diferença de imposto, que incide em razão da atribuição de valor diferente do real à mercadoria, quando essa diferença excede 10%. Foram esses os fundamentos seguidos pela maioria da Primeira Turma do TRF4, que afastou a multa de 100% do valor da mercadoria, seguindo o voto divergente do Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila.
O entendimento favorável ao contribuinte foi objeto de recurso da Fazenda Nacional, o que levou a discussão ao STJ. Inicialmente, o Ministro Relator Herman Benjamin decidiu pela manutenção da multa de 100% sobre o valor comercial das mercadorias, pois considerou a existência de dois ilícitos: i) a fraude no curso dos despachos aduaneiros de importação; e ii) a importação irregular das mercadorias caracterizada pelo consumo, no processo produtivo da empresa fiscalizada, das mercadorias importadas de maneira fraudulenta (Decisão Monocrática no REsp 1825186, publicada em 02/10/2019).
Todavia, no dia 04/08, o Ministro Relator retificou seu voto nos termos do voto-vista da Ministra Assusete Magalhães e do voto do Min. Mauro Campbell Marques, sendo acompanhado pelos Ministros Og Fernandes e Francisco Falcão. Desse modo, a Segunda Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo interno para afastar a multa de 100% sobre o valor comercial das mercadorias importadas.
Para nosso sócio nominal, Onofre Alves Batista Júnior, não poderia ser diferente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em respeito a um dos mais basilares princípios gerais do Direito e que se expressa no brocado latino ne bis in idem. Para o professor, “o Ministro Herman Benjamin, na esteira do voto-vista da Ministra Assusete, acertou ao identificar a consunção das condutas do importador no caso concreto, visto que o consumo da mercadoria no processo produtivo da empresa, inicialmente apontado como uma segunda infração, nada mais é do que o exaurimento, a decorrência lógica da primeira, que foi a fraude no despacho aduaneiro mediante subfaturamento. O princípio ne bis in idem impede a cumulação de sanções imputadas sobre um mesmo fato.
Como já bem demonstrou meu querido sócio e amigo, Paulo Roberto Coimbra Silva, em sua aclamada obra “Direito Tributário Sancionador”, este princípio tem fundamento não apenas no primado da proporcionalidade, como também na exigência de racionalidade sistêmica e lógica entre as diversas manifestações repressivas do Estado [1]. Isto posto, a multa de 150%, ainda que ontologicamente exagerada, não poderia de modo algum ser cominada isocronicamente com a multa de 100% do valor das mercadorias, sob pena de se furtar a ação repressiva estatal da necessária unicidade interna do ordenamento jurídico e da identidade teleológica das sanções”.