Por Loraine Matos Fernandes, Sócia do André Xavier, Machado e Fernandes Advogados
A Recuperação Judicial é instituto relativamente novo no ordenamento brasileiro, previsto pela Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.
Acompanhando uma tendência mundial, capitaneada pelos EUA com a reforma da sua Lei de Falências (Bankruptcy Reform Act, de 1979), a nova legislação buscou priorizar a função social das empresas nos casos de insolvência técnica ou financeira, promovendo o seu soerguimento como forma de manter a sua produção e, consequentemente, a arrecadação de tributos, a geração de empregos e os investimentos.
Deferido o processamento do pedido de recuperação judicial e instaurado o prazo para a verificação dos credores, suspendem-se as execuções em curso em desfavor da empresa (exceção feita aos créditos da Fazenda Pública, cuja execução fiscal não se suspende).
Verificados os créditos e habilitados os credores junto ao Administrador Judicial, submete-se o plano de recuperação – cujos termos, em geral, buscam a revisão de contratos e renegociação de dívidas – à Assembleia Geral de Credores, devidamente convocada para avaliar as condições propostas e votar a sua (re)aprovação.
Aprovado o plano pela Assembleia Geral de Credores, o Juízo irá deferir a Recuperação Judicial e suspender o andamento do feito pelo período lá estipulado para cumprimento das obrigações assumidas.
Esse é, de forma muito breve e resumida, o rito esperado desse tipo de demanda – ainda que a prática processual demonstre que, a mais das vezes, há vários incidentes e intercorrências que tornam bastante complexo o acompanhamento de um caso assim.
Uma dessas intercorrências se dá, em especial, no âmbito trabalhista – crédito de natureza alimentar e que, bem por isso, tem prioridade no recebimento. Frequentemente, o (ex)empregado (e muitas vezes o próprio Juízo) não admite as condições impostas pelo plano de recuperação, ainda que aprovado pela Assembleia Geral de Credores, e postula a manutenção da execução trabalhista até a satisfação integral do crédito originário.
Não é incomum encontrar decisões, inclusive, autorizando a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade a fim de, atingindo bens dos sócios e administradores, garantir o pagamento da dívida inicial (esse ímpeto do julgador foi bastante limitado e refreado com as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015) e pela Lei nº. 13.467/2017 – que alterou a CLT e ficou conhecida como Reforma Trabalhista -, ambas determinando a instauração de incidente por meio do qual se garante aos acusados de má gestão empresarial a ampla defesa e o contraditório).
Essa prática, contudo, é condenável, especialmente porque atenta contra a interpretação que se deve dar à Lei de regência da matéria.
Com efeito, a Lei nº. 11.101/2005, em seu artigo 59, estabelece que “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei” (nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, a novação é a “constituição de uma obrigação nova em substituição de outra, que fica extinta” – in “Instituições de Direito Civil”, 20 ed. p. 243. v. III).
Em outras palavras, ao aprovar o plano de recuperação, os credores autorizam a extinção e a substituição da dívida anterior por uma nova (art. 360, I, do Código Civil Brasileiro), resguardadas as garantias (reais e/ou fidejussórias) já estabelecidas, entre outros credores de classe especial, como os titulares de adiantamento de contrato de câmbio, os proprietários em contrato de venda com reserva de domínio, entre outros.
Desse modo, o credor que tenha o seu crédito garantido por um aval/fiança poderá, independentemente do plano de recuperação judicial, executar o avalista/fiador; aquele que é detentor de uma garantia real também poderá exigi-la independentemente do plano de recuperação judicial.
Os demais credores – inclusive os detentores de haveres trabalhistas -, porém, se submetem integralmente aos termos do plano aprovado.
Dessa forma, deferida a recuperação judicial inicia-se a contagem do prazo máximo de dois anos para o cumprimento de todas as obrigações estabelecidas no plano aprovado pela Assembleia Geral.
Durante esse período, as execuções (e aqui neste trabalho trataremos especificamente das execuções trabalhistas) ficarão suspensas, já que o pagamento do crédito (não mais aquele correspondente ao débito original, mas aquele que o substituiu em razão da novação) se dará diretamente pelo Administrador Judicial nomeado nos autos do pedido de Recuperação.
Os maiores embates nessa situação decorrem do entendimento – equivocado – de que a suspensão se dá para o recebimento do crédito estabelecido no plano de recuperação e de que é possível ao exequente requerer a reativação da demanda para satisfação posterior do suposto saldo devedor remanescente.
Em verdade, a suspensão se dá não só para que o administrador judicial promova o pagamento dos créditos previstos no plano de recuperação aos credores habilitados, mas principalmente para que o juízo perante o qual se processa o pedido de recuperação judicial possa fiscalizar e se certificar que a empresa vem cumprindo com as obrigações assumidas.
Como a decisão prevista no artigo 58 da Lei nº. 11.101/2005 é tida por título executivo judicial, o descumprimento de qualquer das obrigações estabelecidas no plano de recuperação enseja a sua execução.
Nesse caso, o inadimplemento (perceba-se que o fato do trabalhador não proceder com a habilitação de seu crédito, esperando
o transcurso do prazo de 2 anos para, então, postular a conversão da recuperação judicial na quebra, não é fato imputável à empresa recuperanda, sendo inócua a protelação para esse fim e gerando mais prejuízo ao próprio (ex)empregado) será denunciado ao Juízo Universal que decretará a falência e somente nessa hipótese é que se permite a execução da obrigação original.
Do contrário, verificado o cumprimento de todas as obrigações assumidas, o Juízo decretará, por sentença, o encerramento da recuperação judicial na forma do artigo 63 da Lei nº. 11.101/2005.
A conclusão é, pois, de que, tendo a empresa recuperanda cumprido com a obrigação assumida perante o plano de recuperação judicial, não há arrimo para a pretensão do (ex)empregado de reativar a execução trabalhista para o recebimento dos valores destacados do crédito original em razão da novação operada em razão da aprovação do plano de recuperação.