Complementação e Restituição do ICMS-ST | Cerizze Cunha Teixeira

O Estado de Minas Gerais publicou em dezembro de 2018 o Decreto nº. 47.547, que através do seu artigo 6º, acresceu a Subseção IV-A na Parte 1 do Anexo XV do Regulamento do ICMS de Minas Gerais (“RICMS/MG”), criando, para vigência a partir de 1º de março de 2019, a sistemática de complementação e restituição do ICMS devido por Substituição Tributária (“ICMS-ST”), naquelas hipóteses em que a operação com consumidor final se realizar em valor superior ou inferior a base de cálculo presumida utilizada para cálculo do ICMS-ST.

De acordo com as disposições do artigo 31-A do Anexo XV do RICMS/MG, o contribuinte substituído deverá recolher o valor relativo à complementação do ICMS-ST quando promover operação interna de circulação de mercadoria a consumidor final em montante superior à base de cálculo presumida utilizada para o cálculo do ICMS-ST da mesma mercadoria, aplicando-se tal obrigação inclusive à microempresa ou empresa de pequeno porte que promover saída de mercadoria para outra unidade da federação destinada a consumidor final não contribuinte.

Por outro lado, o artigo 31-C do Anexo XV do RICMS/MG, preconiza que naquelas hipóteses em que o fato gerador se realizar por um valor inferior ao da base de cálculo presumida utilizada para o cálculo do ICMS-ST, o contribuinte que houver praticado a operação interna de circulação da
mercadoria a consumidor final fará jus à restituição do valor pago a maior, desde que comprove não ter repassado do valor do imposto pleiteado no preço da mercadoria ou, no caso de tê-lo feito, estar expressamente autorizado a recebê-lo por quem suportou o ônus do imposto, no caso o consumidor final.

Na mesma linha de Minas Gerais, outros Estados como Acre (Decreto nº. 6.875/2017), Pará (Decreto nº. 2303/2018), Paraná (Lei nº. 19.595/2018), Pernambuco (Decreto nº. 45.805/2018), Rio Grande do Sul (Decreto nº. 54.308/2018) e Santa Catarina (Decreto nº. 1.818/2018), também editaram legislações similares, prevendo a obrigação de complementação do ICMS-ST e a possibilidade de sua restituição, naquelas hipóteses em que a base de cálculo do fato gerador efetivo se realizar em montante superior ou inferior à base de cálculo presumida.

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Essas alterações promovidas pelos Estados, decorrem da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) em 19/10/2016 no julgamento em sede de repercussão geral do Recurso Extraordinário (“RE”) nº. 593.849, onde o Pleno do Tribunal, interpretando o §7º do artigo 150 da Constituição, fixou o entendimento de que o contribuinte faz jus a restituição do ICMS pago a maior na sistemática de substituição tributária, naquelas hipóteses em que o fato gerador da operação efetiva ocorrer em valor inferior ao utilizado como base presumida para o cálculo do ICMS-ST.

A nosso ver a pretensão de cobrar o complemento do ICM-ST naquelas hipóteses em que o fato gerador efetivo ocorrer em montante superior ao presumido é totalmente repudiável e afronta princípios e preceitos de ordem constitucional e infraconstitucional. Isso porque, tanto o §7º do artigo 150 da Constituição, quanto o artigo 10 da Lei Complementar nº. 87/1996 asseguram apenas a “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”, não havendo previsão constitucional ou legal que autorize os Estados a cobrarem o complemento
do ICMS-ST.

Além disso, vale lembrar que o recolhimento do ICMS por substituição tributária é em regra uma medida excepcional que somente se justifica em função do princípio da praticabilidade tributária, que permite a adoção de presunções e ficções em prol de um sistema tributário mais simples, racional, funcional e efetivo.

Com efeito, os Estados ao optarem por eleger determinado produto para ter o imposto recolhido sob essa sistemática, estão abrindo mão de uma base de cálculo precisa em troca de uma base de cálculo estimada, cujas eventuais perdas decorrentes de um subdimensionamento serão compensadas ou quiçá superadas pela antecipação de fluxo de caixa, mitigação dos custos de fiscalização, diminuição de fraudes, e principalmente pela redução de sonegação.

Por essa razão, admitir a adoção da famigerada complementação do ICMS-ST implica em flagrante violação ao princípio da praticabilidade tributária e no desvirtuamento dos desideratos que justificam a adoção da substituição tributária, pois ao invés de tornar a apuração do ICMS mais simples, racional, funcional e efetiva, passará a torná-la muito mais complexa, onerosa e suscetível de falhas se comparada a sistemática ordinária de apuração do imposto.

Outro aspecto da legislação mineira e de outros estados que é flagrantemente inconstitucional e ilegal é a pretensão de restringir a repetição do indébito que vier a ser apurado pelo contribuinte, somente na forma de crédito para abatimento de débitos próprios de substituição tributária.

Essa restrição chega a ser jocosa e imoral, pois como é sabido, a maioria dos contribuintes que comercializam no varejo produtos sujeitos à substituição tributária não apuram débitos de ICMS, seja próprio ou decorrente substituição tributária, o que torna inviável em grande parte dos casos a possibilidade de repetição dos créditos que vierem a ser apurados pelos contribuintes.

Mas não bastasse isso, o ponto é que essa restrição imposta pelos Estados viola frontalmente o disposto no §7º do artigo 150 da Constituição, o artigo 10 da Lei Complementar nº. 87/1996 e o artigo 165, I do Código Tributário Nacional, pois tais dispositivos asseguram ao contribuinte substituído o direito a restituição da “quantia paga” a maior, sem impor qualquer restrição ou limitação quanto a forma de repetição.

Na verdade, em face dos desideratos axiológicos do §7º do artigo 150 da Constituição e do artigo 10 da Lei Complementar nº. 87/1996, que asseguram a “imediata” e “preferencial” restituição da quantia paga a maior, seria recomendável que os Estados criassem mecanismos para facilitar e agilizar a restituição do imposto, como por exemplo franquear a possibilidade dos contribuintes substituídos transferirem de forma imediata os créditos apurados aos seus fornecedores ou terceiros que tenham condições de consumi-los, mediante simples emissão de nota fiscal de transferência de crédito.

Para teoricamente atenuar os impactos dessas alterações e visando evitar questionamentos dos contribuintes quanto a cobrança de complementação, o Estado de Minas Gerais publicou no início de março o Decreto nº. 47.621, através do qual acresceu no Anexo XV do RICMS/MG o artigo 31-J para instituir o chamado “acordo de definitividade da base de cálculo do ICMS-ST”.

De acordo com o mencionado artigo 31-J, os contribuintes substituídos varejistas poderão opcionalmente acordar a definitividade da base de cálculo do ICMS devido por substituição tributária, hipótese em que não será devido imposto a complementar nem a restituir.

Como se pode notar essa nova sistemática de apuração do ICMS-ST instituída por Minas Gerais traz relevante impacto para vários segmentos, principalmente aqueles que comercializam precipuamente produtos submetidos a sistemática de substituição tributária, como é o caso dos
postos de combustíveis, drogarias, revendedores de bebidas, pneus, autopeças, tintas, eletrodomésticos, celulares, veículos automotores, entre outros produtos, que até então na maioria dos casos não tinham sequer apuração de ICMS e doravante estarão obrigados a gerar e manter à
disposição do Fisco diversas obrigações acessórias extremamente complexas, caso não queiram abrir mão do seu direito a restituição do ICMS-ST recolhido a maior, através do malfadado “acordo de definitividade”.

Portanto é importante que os contribuintes que pratiquem operações de circulação de mercadorias sujeitas a sistemática de substituição tributária à consumidor final fiquem atentos as novas regras instituídas pelo Estado de Minas Gerais e por outros Estados, a fim de resguardarem os seus créditos naquelas hipóteses em que o fato gerador efetivo se realizar em montante inferior ao presumido, bem como evitar autuações, tanto em razão da malfadada complementação do ICMS-ST, quanto pelo descumprimento de obrigações acessórias.

Por Paulo César Filho

Fonte: Cerizze Cunha Teixeira