Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados | Brumadinho: a segurança de barragens sob a ótica trabalhista

Em meio a toda dor e perplexidade que consumiram o país nos dias que se seguiram ao rompimento da barragem de Brumadinho, pouco se falou a respeito de como a legislação e as autoridades trabalhistas podem contribuir para evitar novas tragédias como esta – ou, colocado de outra forma, o que poderiam ter feito para impedir que esta ocorresse.

O número de trabalhadores mortos em Brumadinho, soterrados por lama durante suas jornadas de trabalho, o fato de um refeitório repleto de trabalhadores ter sido instalado em área de risco, a inexistência ou ineficiência de um sistema de alerta e de evacuação de empregados, demonstram que a análise da questão sob a trabalhista é extremamente relevante.

A legislação trabalhista pode ser encarada sob dois vieses: o preventivo e o repressivo. O primeiro, atinente à imposição de medidas obrigatórias de segurança visando à garantia da vida e da integridade física dos trabalhadores, bem como a fiscalização do cumprimento de referidas medidas. O segundo, consistente na reparação dos danos causados aos trabalhadores e às suas famílias, assim como a imposição de medidas para a correção de não conformidades visando evitar novos acidentes.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) possui um capítulo dedicado à segurança e à medicina do trabalho (Capítulo V do Título II, artigos 154 a 201), o qual não regula de forma detalhada nem exaustiva as condições mínimas de segurança a serem adotadas em minas e barragens, mas determina que cabe ao Ministério do Trabalho (extinto em 2019, tendo suas atribuições sido assumidas por outros Ministérios) estabelecer regras de segurança tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho.

A lei determina, ainda, que cabe ao Poder Executivo Federal (fazendo referência, novamente, ao extinto Ministério do Trabalho, por meio de suas Superintendências Regionais do Trabalho), promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho. Cabe, também, ao Ministério Público do Trabalho fiscalizar o cumprimento da legislação nestes casos, já que notório o interesse público em face da coletividade de trabalhadores potencialmente afetados.

A norma trabalhista que trata especificamente da segurança de barragens, editada pelo Ministério do Trabalho em decorrência de referida competência legal, diz o óbvio: “Nas situações de risco grave e iminente de ruptura de barragens e taludes, as áreas de risco devem ser evacuadas, isoladas e a evolução do processo monitorado e todo o pessoal potencialmente afetado deve ser informado” (item 22.26.2.1 da Norma Regulamentadora nº 22, aprovada pela Portaria nº 2.037, de 15/12/1999, do
Ministério do Trabalho).

Porém, a norma não veda nem limita, por exemplo, a instalação, nas áreas de risco, de refeitórios ou outros locais de grande circulação de trabalhadores, mas determina, por outro lado, que toda mineradora elabore, implemente e mantenha atualizado um plano de emergência identificando riscos potenciais de acordo com as características da mina, devendo tal plano prever, inclusive, possíveis acidentes de grandes proporções em função das características da mina, dos produtos e dos insumos utilizados (item 22.32.1 da Norma Regulamentadora nº 22, aprovada pela Portaria nº 2.037, de 15/12/1999, do Ministério do Trabalho).

Portanto, ainda que não haja proibição objetiva de instalação de refeitórios ou outros locais de trabalho em potencial área de risco, é dever da empresa mapear e identificar o local como tal, adotando as medidas necessárias para prevenção de fatalidades, com a evacuação do local em caso de risco. Cabia à própria Vale, portanto, ter identificado o refeitório como local de risco e, conforme o caso, desativado ou evacuado o ambiente.

Do ponto de vista formal, portanto, parece-nos que a legislação, a princípio, cumpre seu papel de estabelecer normas visando à proteção dos trabalhadores e à proteção de acidentes, ainda que delegue ao próprio empregador medidas de extrema relevância para efetividade dos planos de
segurança. Neste contexto, talvez o que tenha falhado, no caso de Brumadinho, tenha sido justamente a fiscalização do cumprimento da legislação pelas autoridades competentes. Não se pode negar, porém, que a legislação poderia ser aperfeiçoada de modo a passar a estabelecer medidas
concretas e objetivas visando à maior segurança dos trabalhadores em áreas de risco, e não apenas delegando à própria empregadora a responsabilidade por mapear, identificar e prevenir riscos.

Já no campo repressivo, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm papel importantíssimo. À primeira cabe processar e julgar, de forma célere, os pedidos de indenizações movidos pelas vítimas e seus familiares, dando efetivo acesso à justiça aos cidadãos atingidos. Ao
Ministério Público cabe atuar na defesa dos danos coletivos causados à comunidade de trabalhadores, inclusive, conforme o caso, por meio da propositura de ação civil pública pleiteando indenização pelos
danos morais causados à coletividade de trabalhadores.

Na esteira da tragédia de Brumadinho, o presidente do Supremo Tribunal Federal e a procuradora- geral da República, Raquel Dodge, criaram, conjuntamente, o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, cujo objetivo é monitorar casos que requeiram atuação rápida do sistema nacional de justiça, buscando soluções céleres e efetivas às necessidades das vítimas.

Ainda que devamos comemorar medidas como a esta, visando à rápida prestação jurisdicional para pacificar conflitos e remediar prejuízos após tragédias como a de Brumadinho, como já dito a necessidade de revisão dos procedimentos de fiscalização e auditoria das condições de segurança do
trabalho em barragens é premente, a fim de evitar novas catástrofes como a ocorrida no último dia 25 de janeiro. Todo o esforço do Poder Público terá sido pouco enquanto ainda houver trabalhadores morrendo no exercício de sua labuta diária. O trabalho é – e deve ser – fonte de renda, de dignidade
e de esperança, e não de dor, de luto e sofrimento.

Por Renato Rossato Amaral Lang

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