Mais do que aparar as supostas últimas arestas do assunto, o Supremo reforça que o contencioso tributário não pode ser barganha para arrecadação – sempre um bom sinal
Finalizou-se (ou é o que se espera) o debate sobre a “tese do século”. Com o julgamento dos Embargos de Declaração da Fazenda Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS gera efeitos a partir de 15/03/2017 – data do julgamento de mérito do tema – e definiu que o ICMS a ser retirado das bases daquelas contribuições é o correspondente ao valor destacado em Nota Fiscal.
As consequências práticas desse julgamento, basicamente, indicam que antes de 16/03/2017 os contribuintes não terão direito a questionar ou pleitear a recuperação dos valores pagos de PIS e COFINS com a inclusão do ICMS antes daquela data (da mesma forma que os contribuintes que não pagaram, antes de 16/03/2017, PIS e COFINS com a inclusão do ICMS, não mais poderá ser cobrado pela União) – ressalvadas as ações ajuizadas até 15/03/2017, em sede das quais está mantido o direito dos contribuintes de ter de volta os valores indevidamente pagos sobre qualquer período no passado, respeitada a prescrição quinquenal.
Para quem ajuizou ações, portanto, após 16/03/2017, o direito à restituição está limitado não aos cinco anos tradicionais, mas sim apenas ao período a partir daquela data.
Mais do que o aparente fechamento do tema, o julgamento do STF trouxe algumas indicações bastante positivas que devem gerar repercussões positivas não apenas nas chamadas “teses filhote” como, também, em outros julgamentos de temas tributários.
A um, está claro (apesar da mudança de composição da corte entre 2017 e 2021) que o pensamento do Supremo está calibrado quanto à incompatibilidade, para a base de cálculo do PIS e da COFINS, da inclusão de valores de outros tributos. O ponto em sede do qual a Fazenda tentou (em vão) gerar alguma rediscussão – gerando comentários incisivos no voto da relatora, ministra Cármen Lúcia) – não passou perto sequer de ser objeto de maior atenção no julgamento, o que certamente traz algum alívio aos contribuintes que vislumbram, num horizonte próximo, a resolução de temas análogos (como a inclusão do ISSQN nas bases do PIS e da COFINS ou mesmo a presença das contribuições em suas próprias bases de cálculo).
A dois, a tentativa de utilizar de modulação de efeitos como um salvo-conduto que blinde a União de arcar com as consequências de extrapolações na busca pela arrecadação foi completamente rechaçada. Dois bons exemplos disso foram as manifestações do ministro Alexandre de Moraes que em certos momentos chegou a criticar a tese fazendária (como ao mencionar, falando sobre a tentativa da Fazenda de diferenciar os valores destacados em nota dos valores recolhidos, que para a União “ou antes tinha uma interpretação abusiva ou agora essa interpretação será errônea”) – e do ministro Edson Fachin – para quem a União não poderia “aproveitar-se de sua displicência e imputar aos contribuintes ônus de arcar com os valores que foram indevidamente arrecadados”.
Fato é que a União fez o que dela se esperava: diante da derrota, tentou construir uma narrativa que servisse a seus interesses (embora os extremos a que tenha chegado, como dizer que a decisão desfavorável produzia uma “nociva reforma tributária com efeitos retroativos”). Para o benefício dos contribuintes (e, frise-se, da própria credibilidade do sistema jurídico brasileiro), a tentativa de salvação fazendária não prosperou integralmente, preservando a segurança jurídica (especialmente às empresas).
Seria, afinal, um péssimo recado, do Brasil ao mundo, a noção de que abusos fiscais podem ser perpetrados sob o manto da garantia futura de impunidade pelo Judiciário. Felizmente, não foi essa a mensagem transmitida, e em grande parte a União não passou ilesa face as cobranças indevidas aos contribuintes.
Numa novela de que se espera não haver capítulos adicionais, os próximos momentos são previsíveis: a odiosa Solução de Consulta COSIT nº 13/2018 deverá sair de cena (porque perdeu seus efeitos); os contribuintes podem, com ou sem ações judiciais, readequar seus recolhimentos de PIS e COFINS retirando o ICMS destacado em nota de suas bases de cálculo; e a tendência é uma drástica redução do contencioso tributário com o encaminhamento de soluções processuais diretas aos casos já existentes, uma vez esgotado o tema pelo STF.
Os desdobramentos desse tema, em certo grau, são incertos. Não surpreenderia a União calibrar as perdas de arrecadação e usar isso como motivação adicional para fazer sua parte na tramitação mais célere das propostas de reforma tributária (com ou sem regras de transição maiores ou menores, representariam saída de mitigar os efeitos na arrecadação para os próximos anos). Também não se pode subestimar a “criatividade” fiscal daqui para a frente e possíveis malabarismos para trazer novos elementos ao tema.
Mas, ao menos por ora, é possível dizer que, como em poucos momentos no passado recente, há um alívio coletivo com mais um capítulo do contencioso tributário brasileiro encerrado.
Fonte: Andrade GC